Salve às crianças!
Por Arauto de Aruanda
Certa vez assistia a uma reunião de estudos em um Centro Espírita Kardecista, quando surgiu no desenrolar dos assuntos o tema espíritos que se apresentam e se comportam como crianças, isto é, nossos queridos erês, e, também, os exus e pombogiras mirins.
Uma médium ali presente argumentava que tais manifestações eram desnecessárias, considerando que um espírito “sério” se apresentaria de maneira formal devido à seriedade de uma reunião mediúnica. Seguindo a mesma perspectiva da médium, o dirigente da casa espírita enfatizava que ditas comunicações mediúnicas tratavam-se, na realidade, de espíritos “brincalhões”, e que, manifestações desta natureza não poderiam ser levadas a sério, classificando-as como frívolas.
Como umbandista, bem como estudioso e simpatizante da doutrina espírita, me posicionei e disse que havia um porquê dos espíritos se fazerem presentes desta maneira nas reuniões, e explanei alguns motivos para tentar conscientizá-los sobre tal necessidade. Como não me permitiram discorrer muito sobre o tema, pois este não fazia parte da temática do dia, interromperam-me, mas finalizei meu discurso afirmando que só quem passou por uma experiência com estas entidades poderia conhecer os benefícios que elas nos proporcionam.
Meu objetivo ao escrever sobre o assunto não é polemizar o tema, criar rivalidades e muito menos recrutar fieis para engrossarem as fileiras da Umbanda, até mesmo, porque, ela nos ensina o respeito à diversidade de opiniões e à pluralidade religiosa e, é por isso, que consiste em uma religião tão dinâmica e diversificada.
No entanto, como no diálogo de Allan Kardec com o padre católico que o questionava sobre o principal motivo dos espíritas se esforçarem para refutar a argumentação católica contra a doutrina espírita, o meu desejo se pauta em combater discursos infundados oriundos de conceitos pré-concebidos. (Observação: O referido diálogo poderá ser lido na íntegra na obra de Allan Kardec intitulada “O que é o espiritismo”. Ano: 1804-1869, p. 69-90, IDE editora).
No mesmo diálogo, Kardec afirma ao nobre membro do clero católico que, se os espíritos se comunicam, isto ocorre apenas e tão somente pela anuência do Criador (op. cit. p. 75). Desta forma, Deus, sendo sapientíssimo, permitiria “algo desnecessário”? Ou estaria o Senhor do universo interessado na diversão humana, já que classificam ditas comunicações como sendo “frívolas”? Não creio que o mais sábio de todos os seres se preste a esse papel!
Em minha opinião, os preconceitos supramencionados se originam de dois fatores:
1 – o evidente equívoco de que espírito evoluído é aquele que se comporta como possuidor de alto grau de intelectualidade, domínio de diversas áreas da ciência, e padrões comportamentais da classe alta; Pura ilusão!
2 – por terem se fechado em seus conceitos e neles terem se estagnado, ou seja, por não se abrirem a novas experiências.
No que tange ao primeiro item, posso dizer que o conceito que possuem de espírito evoluído é parcialmente guiado por padrões humanos. Em alguns casos chega a até ser hipócrita! Por exemplo, Divaldo Franco afirma em uma palestra, cujo vídeo se encontra no YouTube, que os Pretos Velhos são espíritos que não evoluíram porque se apegaram a cor, vestimentas e ao falar incorreto de sua última reencarnação.
Nada disso serve para classificar um espírito como evoluído ou não! Até mesmo porque o padrão de norma culta da língua que seguimos, as regras de etiqueta e boas maneiras, bem como a definição de cultura, literatura e intelectualidade são definidos pela elite. Fato inegável, relatado, sobretudo, dentro das universidades.
Concordo com ele que a espiritualidade não tenha cor, mas nos detenhamos em um pequeno detalhe: um espírito não pode se apresentar como negro e falando um português incorreto, mas é inquestionavelmente permissível se mostrar como Joanna de Angelis, branca como a neve, trajando vestes de abadessa e falando como doutora? Não está ela também presa a materialidade de sua última reencarnação? Um espírito não pode se apresentar como criança, índio, baiano, preto velho e etc., que é taxado de inferior, mas é normativo se revelar como líder político de uma nação, abadessa, médico, literato falando o português culto e trazendo uma mensagem com aspectos morais que é considerado um espírito evoluído?
A propósito, as mesmas mensagens de teor moral e de evolução espiritual que sempre escutei nas casas espíritas, escuto dentro dos centros de umbanda, quer seja pela boca de um exu ou pombogira, de uma criança, de um índio ou de um preto velho.
Mas, voltando ao foco inicial do artigo, “as crianças” têm variadas missões: descansar o corpo do médium após o trabalho mediúnico, equilibrar e harmonizar o períspirito do médium para as comunicações que vai receber, realizar curas na área psicológica... São tantas e desconhecidas as funções do trabalho das crianças que nem poderíamos imaginar!
Ah, mas um espírito não poderia fazer isso se apresentando de outra forma? É claro que sim (em minha opinião), mas se respeitamos um espírito que se apresenta com características de médico (Bezerra de Menezes), outro que se apresenta com traços de feminilidade e características de monja (Joanna de Angelis), temos obrigatoriamente que aceitar todas as formas de apresentação espiritual que esses benfeitores queiram adotar. Caso contrário, estaríamos “medindo com dois pesos e duas medidas”.
Que sejam rotulados de inferiores! O lema da umbanda é: “com os espíritos adiantados aprenderemos, aos atrasados adiantaremos E A NENHUM DESPREZAREMOS!”
Talvez, a criança e os outros espíritos da umbanda possuam um cunho social e humanitário:
- as crianças mostrarem que nossos menores devem ser escutados e respeitados;
- os pretos velhos indicando que o racismo ainda existe e que sabedoria independe de grau de escolaridade, cor e condição socioeconômica;
A propósito, Nossa Senhora da Conceição Aparecida é respeitada por trazer essa mensagem sem que os referidos religiosos a julguem um espírito inferior; por que os pretos velhos não mereceriam similar respeito?
- os índios trazem à tona a questão ecológica e humanitária, sobretudo, quando no Brasil, nos dias atuais, perdem seu lugar para o homem “branco, civilizado e evoluído” do terceiro milênio;
- e assim por diante.
Salve as crianças! Crianças que nos consolam, que nos orientam, que nos dão apoio espiritual, que nos alentam na caminhada rumo à evolução espiritual! A todos vocês nosso respeito, amor e gratidão!
Saravá às Sete Linhas de Umbanda!
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