Diversidade na Umbanda
Por
Arauto de Aruanda
“Cada casa mexe a panela do seu jeito”
Em minha opinião, um dos assuntos que mais gera polêmica na religião consiste na ampla diversidade que possuímos na Umbanda, e até mesmo, entre os diferentes terreiros existentes. Diversidade cultural, de opinião, ritos, regras, práticas e etc.
Muitos ao se depararem com essa diversidade ficam confusos, talvez por não entenderem algumas características da religião umbandista, que abordarei, a seguir, em tópicos para melhor elucidação do tema. A saber:
- a Umbanda é uma religião eclética;
Nossa religião possui o melhor de diferentes religiões: o Espiritismo nos legou as extensas laudas sobre mediunidade e a moral evangélica; do Candomblé herdamos o culto aos orixás e o culto à natureza; do Xamanismo recebemos além do culto à Mãe Terra, vocábulos, ritos e práticas magísticas do povo indígena; já a Bruxaria convencional nos proporcionou o conhecimento da magia em um sentido mais amplo, incluindo magia com uso dos elementos e elementais e, talvez, a nossa roda, círculo ou corrente de médiuns – que formamos na gira – comum a todos os terreiros de Umbanda a exemplo dos círculos mágicos que os bruxos formam em seus rituais; e do Catolicismo recebemos o culto a alguns santos, bem como o sincretismo religioso. Essa ecleticidade demonstra que a Umbanda é uma religião que vive em perfeita harmonia com as diferenças culturais e religiosas da humanidade, inclusive, dentro dos próprios terreiros, o que significa que a nossa religião não tem nenhum problema com o novo, diferente ou diverso; característica que torna a umbanda uma religião única!
- não possui uma liderança centralizada;
A Umbanda não possui nenhuma liderança ou governo centralizado como o Catolicismo Romano, as igrejas Ortodoxas, as diferentes igrejas evangélicas e outras religiões em que o conjunto de normas e dogmas é ditado por um grupo seleto de indivíduos detentores do poder religioso. Embora haja muitos núcleos umbandistas que ofereçam cursos sobre a religião, suas práticas e, até mesmo, sobre sacerdócio umbandista, estes núcleos se diferem das religiões supramencionadas, pois não ensinam dogmas, tampouco nomeiam os sacerdotes umbandistas que atuarão nos terreiros e nem mesmo criam normas que devem ser acatadas por todas as casas de Umbanda do Brasil. Também não possui poder centralizado em uma única pessoa, como ocorre no caso do Catolicismo Romano que possui como chefe e detentor do poder imediato e absoluto o Papa, Primaz da Itália, Bispo de Roma, como queira chamar. As federações e associações umbandistas que existem, longe de ser um Vaticano Umbandista, são órgãos que respondem, em alguns casos, juridicamente pelos grupos a elas vinculados, e a afiliação de um terreiro ou casa de umbanda a algum desses órgãos é apenas facultativa, portanto, não consiste em algo que se equipare a um governo monopolizado da religião. Tanto é que, hoje em dia, tem-se falado em Umbandas (no plural), o que automaticamente implica que nenhum órgão regional, estadual, nacional ou internacional possua poder legislativo sobre os diferentes grupos umbandistas e nem mesmo uma patente do nome Umbanda.
Casas de Umbanda surgiram, e surgem até os dias atuais, a todo instante e de forma totalmente independente no nosso país. Por este motivo, devemos ser cautelosos ao procurarmos um terreiro para dele nos tornar parte integrante.
Por não possuir um governo centralizado, não há normas nem dogmas gerais a que todos os umbandistas devam aceitar; o que faz com que não haja nenhuma padronização dos terreiros. Sendo assim, torna-se uma lei umbandista natural – embora não imposta, e tampouco criada por lideranças – o ditado que diz: “cada casa mexe a panela do seu jeito”.
- não possui dogmas;
Um dogma é uma verdade de fé inquestionável, por exemplo, a concepção virginal de Jesus Cristo no Cristianismo. A Umbanda não possui dogmas, considerando que todas as suas práticas devem possuir fundamentos. Nenhum umbandista é obrigado a aceitar qualquer coisa sem antes saber o motivo pelo qual aquilo é feito. Alguns umbandistas acreditam em dogmas, mas isto não é uma coisa própria da religião! Considerando que a Umbanda não possui um conjunto de dogmas que norteiem a prática umbandista, os membros da religião são livres para aceitar ou rejeitar determinadas crendices após haver verificado se estas possuem ou não fundamento. Algumas destas crendices consistem em não acender velas para guias em casa, não cantar cantigas de Umbanda fora do terreiro, não firmar a vela virando-a de ponta cabeça, entre outras. Desta forma, o umbandista deve buscar conhecer a razão de tudo quanto há e de tudo quanto é feito dentro da religião. Devido à ausência de dogmas, muitas vezes, as tendas de Umbanda, e, até mesmo, os umbandistas de um mesmo terreiro, divergem entre si, pois, para alguns, determinada prática é justificável, enquanto para outros não! Porém, não estamos perdidos num mar de dúvidas e confusão, pois, como descreverei a seguir, temos a espiritualidade que nos orienta nas nossas práticas.
- é conduzida pela espiritualidade;
A nossa religião, como relatou o médium mais famoso do Brasil, Francisco Cândido Xavier, no programa Pinga Fogo, é uma criação dos espíritos. Além de ser criação dos espíritos, nós umbandistas a definimos como “a manifestação do espírito para a prática da caridade”, o que implica que os espíritos são os encarregados de nos guiar nessa tarefa que consiste na prestação de serviço fraternal e caritativo. São os espíritos que nos ensinam e orientam nossas práticas espiritualistas. Muitas vezes a espiritualidade não faz questão de se manifestar sobre algo insignificante como acender as velas com palito de fósforo ou com um isqueiro, no entanto, sempre nos conduz em questões de maior importância. Outras vezes a espiritualidade conduz a coisa gradualmente, pois um passo demasiadamente grande poderia colocar tudo a perder ao invés de trazer benefícios. Além desses, há muitos outros motivos para a espiritualidade tolerar algumas práticas irrelevantes nossas, como respeitar as próprias normas do terreiro ou respeitar o foro íntimo daqueles indivíduos a quem determinadas práticas são extremamente importantes. Contudo, tudo em uma casa de umbanda caminha como a espiritualidade daquela casa vê que é necessário! Casas e pessoas diferentes possuem diferentes necessidades e a espiritualidade em sua sabedoria sabe conduzir as coisas conforme é preciso! Por isso, os espíritos que assistem uma tenda de umbanda conduzem a casa de um jeito, ao passo que em outra casa a espiritualidade guia os integrantes de outra maneira!
- está em constante evolução.
A Umbanda também está em constante evolução, o que significa que sempre está passando por mudanças. Antigamente, pensavam que era ofensivo oferecer água aos exus por considerá-los entidades do fogo. Em algumas casas alegavam que exu não incorporava em dias chuvosos. Algumas tendas de umbanda afirmam isso até os dias atuais, no entanto, a maioria dos terreiros umbandistas deixou de acreditar nessa crendice. Coisas que antigamente eram feitas de um jeito, hoje se faz de outro, e a Umbanda segue crescendo e evoluindo com a ajuda dos mentores que a assistem! Dizem os gurus da Umbanda que num futuro próximo os guias deixarão de trabalhar com bebidas alcóolicas e com fumo nas giras. Alguns terreiros já até adotaram esse procedimento, contudo, devemos respeitar ambas as práticas, pois como a espiritualidade nos ensina tudo tem um por que e o seu tempo para acontecer. Qualquer processo de mudança realizado dentro da religião – assim como em qualquer organização – não ocorre do dia para a noite, e tampouco é aceito por todos os seus integrantes e, por isso, gera, na maioria das vezes, divergências que serão superadas com o tempo. A mudança é um processo natural que acontece até mesmo dentro de organizações seculares, tais como empresas, bem como dentro das famílias, gerando muitas repercussões e suscitando muita divisão de opinião.
Como apresentado nos tópicos acima, a Umbanda possui diversos fatores que geram sua diversidade, inclusive a diversidade de opiniões. Devemos aprender a conviver com as diferenças presentes entre os vários terreiros de Umbanda e, sobretudo, com a diversidade que encontramos dentro de nossa própria casa ou núcleo umbandista. Temos que abandonar radicalmente a mentalidade cristianizada que rotula tudo como certo ou errado! Na Umbanda, assim como em muitas outras sendas espiritualistas, não existe o certo e o errado, sobretudo, porque nossa religião não é feita de dogmas. O certo e o errado só existem em nossa relação com o mundo, conosco mesmos, com os nossos semelhantes e com os animais, e isso, não aprendemos em livros ou normas ditadas pela religião, e sim com a evolução de nossa consciência. Sendo assim, respeite a Umbanda que o seu irmão pratica! Respeitar não é sinônimo de concordar e nem mesmo de praticar!
Se na casa que você frequenta possuem práticas que você não aceita ou estranha, lembre-se que algum dia isso poderá mudar, pois a Umbanda está em constante transformação espiritual. Contudo, não queira promover mudanças através de contendas, pois, fazendo “certo” ou “errado” essa casa está caminhando, funcionando, ajudando as pessoas por meio da prática da caridade, além de estar sendo conduzida pela espiritualidade.
Seria necessário abordar aqui também o tema egrégora e como essa força atua dentro das diferentes instituições, sobretudo nos terreiros. No entanto, não desejo estender mais este artigo, o qual já está um pouco longo, deixando, assim, esse tema para postagem posterior.
Em suma, respeite as diferenças dentro das casas de Umbanda. Elas existem devido à liberdade muito peculiar que há na nossa religião. Recorde-se também que, se as coisas não estão como deveriam estar, elas estão a caminho, pois, existem muitas forças que agem na gestão de uma casa e estão empenhadas no progresso espiritual dela. Apendemos com a natureza que tudo tem o seu tempo, e isso não é exceção no que se refere aos assuntos espirituais. Leve em conta também que antes de mudarmos um terreiro ou qualquer outra coisa, devemos mudar nossos atitudes, trabalhar nossa evolução espiritual e praticar a caridade incondicionalmente. Temos muito trabalho para fazer em nós mesmos que deixamos de realizar por nos ocuparmos em fatores externos.
Não critique a diversidade! Respeite! Aprendemos muito com a diversidade. Ela nos faz sábios e flexíveis, e, sermos flexíveis é melhor do que sermos ortodoxos e fundamentalistas, radicais zeladores do “certo” ou “errado”, pois esta última foi a causa de inúmeras barbáries que ocorreram na história da humanidade.
Muita luz e paz a todos!
Axé!
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