terça-feira, 22 de março de 2016

Dívidas na Encruza. Parte 1: como NÃO se portar.



Mesmo antes de a gira começar eu disse:

"Na Umbanda trabalhamos com o merecimento, os orixás estão aqui para te 
ajudar a conquistar e não para dar algo de graça. Você sempre terá de trabalhar
 por aquilo que pretende ter".

Depois disso teve passe com Xangô, Senhor da Justiça e vocês pensam que
 funcionou? Frases que foram ditas entre os visitantes naquela noite
 (de forma sorrateira, mas lembrem-se que o Pai de Santo tem ouvidos nos 
quatro cantos do terreiro):

"Porra, não vão chamar logo as Pombagiras? Eu tenho mais o que fazer ainda hoje."

"Eu só vim para pedir minhas coisas pra esquerda e nem vou perder muito tempo aqui."

Legal isso, né? A gente se prepara, estuda, firma a casa e a corrente, se esforça
 o máximo possível para criar um ambiente seguro e de energias positivas, nos 
doamos por completo e tentamos passar boas mensagens para que as pessoas 
aprendam algo e voltem em paz para as suas casas. Mas em vez disso elas vão
 lá já com rosas e champanhe nas mãos como um prévio agradecimento 
(ou pagamento) pelos pedidos que eles esperam ter atendidos. Já dá 
para imaginar a natureza da maioria desses pedidos, não é? sexo, sexo, 
sexo, homem, dinheiro, sexo, grana, casa, carro, proteção contra os inimigos e sexo.

O meu conselho para encerrar essa primeira parte de texto sobre o que se
 pede ao povo da encruza: o ideal é que conquistemos tudo com o nosso 
próprio esforço. Exú é uma força muito poderosa e precisamos saber
 utilizá-la, pois seremos cobrados (nessa e em outras vidas) por nossos atos
 mesquinhos.

A Umbanda é uma dádiva, desde que saibamos desfrutar dela decentemente.
 Caso contrário, a saliva que escarramos para o alto voltará para as nossas cabeças.


Dívidas na Encruza. Parte 2: as consequências




hoje seguiremos neste tema abordando as consequências dos maus pedidos que 
fazemos ao Povo de Ganga (da cancela, encruza,cemitério,figueira, calunga etc.).

Melhor do que ficar numa longa dissertação, vou contar-lhes uma história,
 mas antes vamos alinhar alguns conceitos:

  • Ação e reação: é a lei da vida, você colhe o que planta. Só se arrepender
  •  não reparará as coisas.
  • A caridade e a assistência espiritual são limitadas por quem as recebe:
  •  você ajuda até o ponto em que a pessoa poderá se gerir por si, é a
  •  velha história de "ensinar a pescar em vez de dar o peixe".

O Devedor ganancioso

Certa vez uma velha amiga me pediu ajuda espiritual, pois seu genro estava 
em sérios apuros com a baixa espiritualidade. Disse-me ela que o rapaz queria
 ser rico a qualquer custo e percorreu tudo que é templo religioso por aí (igrejas,
 centros espíritas, magos etc.) atrás de uma solução mágica que o tornasse 
próspero. A cada fracasso acumulado, o rapaz recorria a forças mais 
baixas da espiritualidade até que chegou num "terreiro" que solucionaria seu problema
 por um preço dito razoável. 

Sem titubear o rapaz aceitou. Iniciou-se ali o banho de sangue, pólvora 
e cachaça. Segundo ele mesmo me contou, as entidades olhavam em seus olhos
 e diziam que não adiantaria pedir nada a Deus, porque quem mandava no mundo
 era do Diabo e perguntavam se ele estava mesmo disposto a fazer o necessário
 para conquistar o que queria, se concedia a eles o direito de agir em seus caminhos.
 Sim era a resposta universal naquelas conversas.

Mas como nem tudo são flores, o rapaz não teve o dinheiro para pagar o serviço 
feito, o "Pai de Santo" cancelou a "caridade" e os tais espíritos vieram cobrar o 
que lhes pertencia, ou seja, a alma do sujeito. Os sonhos e visões eram pouca 
coisa perto das aparições. Uma vez um mendigo apareceu do nada ao lado de 
seu carro pedindo cigarros e quando os conseguiu, depois de muita insistência, 
agradeceu com um "Laroiê pra você também". A gota d'água foi quando essa minha
 amiga viu o mesmo mendigo deitado sobre o corpo do rapaz, que dormia. um 
presságio de morte.

Aí a moça me liga, reúno os médiuns, vamos para o terreiro e abrimos uma 
gira de descarrego só para isso. Todos os guias que baixaram no terreiro, sem 
exceção, o questionavam se ele queria mesmo aquele trabalho, se ele se 
arrependia do que pediu e se teria foco em sua família em vez do dinheiro. Sim,
 mais uma vez, foi a resposta universal. Me recordo que uma Pombogira lhe disse
 "Você fez tanta cagada que para a gente pensar em correr sua gira e desfazer o 
que foi feito, você terá de arrear aqui neste chão 7 oferendas pra Exú e
 7 para Pombogira. Uma por mês durante 7 meses". Sim, mais uma vez.

Amigos, isso já faz um bom tempo. O rapaz nunca mais apareceu lá, nem
 para dizer "Obrigado pela ajuda, mas não creio mais que ela seja necessária".

Nenhum comentário: