sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Histórias e Lendas Ciganas


 “Águia voa alto, mas com as asas cortadas, não passa de galinha grande.” (provérbio cigano)

Em 1987 eu viajava pelo sertão da Bahia, onde colhia material 
de estudo e reencontrava alguns irmãos da grande tradição
da Jurema Sagrada (Catimbó). No povoado de Quiçé conheci 
Seu Manuel Ferrer, um raizeiro e benzedor.
Tio Manolo, como também era chamado, nasceu cigano 
de mãe e vaqueiro de pai, como dizia. Depois de uma
 vida atribulada, mergulhou sertão adentro, onde aprendeu
 os mistérios das raízes com Dona Maria Tiana, uma 
santa curandeira.
O contato com este personagem magnífico, me proporcionou
 as duas lendas que aqui reproduzo. Como são 
materiais inspiracionais, recomendo que os leitores 
não se preocupem com o sentido histórico ou a 
legitimidade cultural. Não é com a mente que as 
lendas são compreendidas, é com o coração.

O CIGANO JACÓ E O NAZARENO
“O galo pode cantar quanto quiser, mas nunca porá
 ovos”. (provérbio cigano)

- Jacó era um ferreiro cigano e passava por Jerusalém no 
tempo de Jesus. Sua comitiva estava parada perto da
 cidade santa, quando o Mestre foi preso e julgado.
 Os romanos preparavam o suplício e precisavam de 
gente para trabalhar. Nenhum carpinteiro ou ferreiro judeu,
 quis fazer a cruz ou fundir os cravos de ferro. Daí, 
que os carrascos romanos obrigaram Jacó, sob ameaça da
 espada, a fazer os três cravos da crucificação, dois para
 as mãos e um para os pés. Jacó sabia que Jesus era um justo, 
por isso amaldiçoou os romanos, predizendo a destruição
 de Roma por sua ganância e violência. Os algozes
 também obrigaram ele a pregar o Mestre no madeiro. 
Ele fez isto chorando e pedindo ao Mestre perdão. 
O nazareno, envolto na dor, disse ao cigano que
 não se preocupasse, pois o seu povo era nobre e fiel.
 Disse também que seriam todos agraciados, pela presença
 de uma virgem que viria do mar. Desde então, os 
ciganos passaram a esperar pela virgem e caminhar por
 todo o canto do Oriente e do Ocidente. Até que um dia, 
apareceu Santa Sara, a virgem negra. Era o dia 25 do
 mês de maio. Por isso, os ciganos são devotos de dois
 santos: a prometida Santa Sara e São Jorge, o 
patrono dos ferreiros.

EXÚ LERÚ O MOURO CIGANO
“Cachorro correndo sozinho se acha o mais veloz do 
mundo”. (provérbio cigano).

- Dona Maria me contou que o Exú Cigano, foi um
 cigano mourisco que se chamava Lerú. Ele chegou ao
 Brasil, junto com outros escravos da África e por aqui
 viveu. Como sabia ler, foi vendido para o dono de 
grandes armazéns, que o colocou como chefe. Muito
 esperto, Lerú começou a ajudar muita gente, que como 
ele, estava naquela triste situação. Ajudou tanto, mesmo 
correndo risco de vida, que um velho Tata africano lhe 
iniciou no culto. Ele foi o primeiro cigano a entrar na religião 
dos negros ! Então, depois que desencarnou, passou a
 trabalhar nas rodas e reuniões que ainda eram escondidas. 
Dizem que a primeira vez que deu seu nome, foi numa 
gira no Rio de Janeiro. Daí ganhou o apelido de Exú Cigano.
Seu Manuel fazia a distinção entre os espíritos ciganos 
da “Direita” e os exús ciganos da “Esquerda”. Para ele,
 Exú Cigano era o líder de outros ciganos que passaram
 pela Jurema ou outro culto afro-brasileiro em vida.
Na Jurema ou Catimbó, o líder dos espíritos ciganos é 
Mestre João Cigano. Perguntei a Tio Manolo se ele 
conhecia outros nomes de espíritos ciganos, chefiados
 por Exú Cigano.
- Tem o Exú Cigano do Oriente, Exú Cigano do Circo,
 Exú Cigano Calão (da Tribo Calon), Exú Cigano da Praça 
e Seu Giramundo Cigano (não confundir com o 
Exú Giramundo).
Segundo ele, tem também as Pombas Giras Ciganas,
 com suas histórias, lendas e magias. Porém, vamos 
deixar este interessante tema para outra edição do Jornal.

Salve o Povo Cigano !

Por Edmundo Pelizari - Publicado no JUS (Jornal de Umbanda Sagrada)

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