Histórias e Lendas Ciganas
“Águia voa alto, mas com as asas cortadas, não passa de galinha grande.” (provérbio cigano)
Em 1987 eu viajava pelo sertão da Bahia, onde colhia material
de estudo e reencontrava alguns irmãos da grande tradição
da Jurema Sagrada (Catimbó). No povoado de Quiçé conheci
Seu Manuel Ferrer, um raizeiro e benzedor.
Tio Manolo, como também era chamado, nasceu cigano
de mãe e vaqueiro de pai, como dizia. Depois de uma
vida atribulada, mergulhou sertão adentro, onde aprendeu
os mistérios das raízes com Dona Maria Tiana, uma
santa curandeira.
O contato com este personagem magnífico, me proporcionou
as duas lendas que aqui reproduzo. Como são
materiais inspiracionais, recomendo que os leitores
não se preocupem com o sentido histórico ou a
legitimidade cultural. Não é com a mente que as
lendas são compreendidas, é com o coração.
O CIGANO JACÓ E O NAZARENO
“O galo pode cantar quanto quiser, mas nunca porá
ovos”. (provérbio cigano)
- Jacó era um ferreiro cigano e passava por Jerusalém no
tempo de Jesus. Sua comitiva estava parada perto da
cidade santa, quando o Mestre foi preso e julgado.
Os romanos preparavam o suplício e precisavam de
gente para trabalhar. Nenhum carpinteiro ou ferreiro judeu,
quis fazer a cruz ou fundir os cravos de ferro. Daí,
que os carrascos romanos obrigaram Jacó, sob ameaça da
espada, a fazer os três cravos da crucificação, dois para
as mãos e um para os pés. Jacó sabia que Jesus era um justo,
por isso amaldiçoou os romanos, predizendo a destruição
de Roma por sua ganância e violência. Os algozes
também obrigaram ele a pregar o Mestre no madeiro.
Ele fez isto chorando e pedindo ao Mestre perdão.
O nazareno, envolto na dor, disse ao cigano que
não se preocupasse, pois o seu povo era nobre e fiel.
Disse também que seriam todos agraciados, pela presença
de uma virgem que viria do mar. Desde então, os
ciganos passaram a esperar pela virgem e caminhar por
todo o canto do Oriente e do Ocidente. Até que um dia,
apareceu Santa Sara, a virgem negra. Era o dia 25 do
mês de maio. Por isso, os ciganos são devotos de dois
santos: a prometida Santa Sara e São Jorge, o
patrono dos ferreiros.
EXÚ LERÚ O MOURO CIGANO
“Cachorro correndo sozinho se acha o mais veloz do
mundo”. (provérbio cigano).
- Dona Maria me contou que o Exú Cigano, foi um
cigano mourisco que se chamava Lerú. Ele chegou ao
Brasil, junto com outros escravos da África e por aqui
viveu. Como sabia ler, foi vendido para o dono de
grandes armazéns, que o colocou como chefe. Muito
esperto, Lerú começou a ajudar muita gente, que como
ele, estava naquela triste situação. Ajudou tanto, mesmo
correndo risco de vida, que um velho Tata africano lhe
iniciou no culto. Ele foi o primeiro cigano a entrar na religião
dos negros ! Então, depois que desencarnou, passou a
trabalhar nas rodas e reuniões que ainda eram escondidas.
Dizem que a primeira vez que deu seu nome, foi numa
gira no Rio de Janeiro. Daí ganhou o apelido de Exú Cigano.
Seu Manuel fazia a distinção entre os espíritos ciganos
da “Direita” e os exús ciganos da “Esquerda”. Para ele,
Exú Cigano era o líder de outros ciganos que passaram
pela Jurema ou outro culto afro-brasileiro em vida.
Na Jurema ou Catimbó, o líder dos espíritos ciganos é
Mestre João Cigano. Perguntei a Tio Manolo se ele
conhecia outros nomes de espíritos ciganos, chefiados
por Exú Cigano.
- Tem o Exú Cigano do Oriente, Exú Cigano do Circo,
Exú Cigano Calão (da Tribo Calon), Exú Cigano da Praça
e Seu Giramundo Cigano (não confundir com o
Exú Giramundo).
Segundo ele, tem também as Pombas Giras Ciganas,
com suas histórias, lendas e magias. Porém, vamos
deixar este interessante tema para outra edição do Jornal.
Salve o Povo Cigano !
Por Edmundo Pelizari - Publicado no JUS (Jornal de Umbanda Sagrada)
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