Socorrendo no Umbral, os atabaques tocaram
- Nesta noite, vamos socorrer o teu pai. No local onde ele se encontra, em zonas abissais de densidade vibratória muito pesadas, será necessária a movimentação de uma falange expressiva apoiada pelo som dos tambores e cânticos que desintegrarão e deslocarão os densos campos de força da poderosa organização trevosa que o mantém prisioneiro. Virás junto em desdobramento, mas para teu próprio bem-estar não te lembrarás de nada após nosso encontro neste templo de umbanda no Astral, assim como não verás quantos espíritos aqui estão por ainda ter a mediunidade um tanto "embotada". Por afinidade, em decorrência de compromissos muitos antigos que nos unem, conduzirei eu mesmo a incursão ao Umbral, programada para hoje. Conduzirei-te em segurança; teu pai precisa te ver para despertar, e então conseguirmos tirá-lo de lá. Não digas nada no centro que frequentas, pois te julgarão desequilibrado e a mim, de teu obsessor por não seguirmos os métodos doutrinários desobsessivos que julgam superiores aos da umbanda. Confia, pois tudo transcorrerá conforme autorizado!
Ato contínuo, os atabaques ecoaram em meus ouvidos pe-rispirituais e adormeci completamente. Acordei no dia seguinte, sentindo-me muito bem e com uma sonolência agradável.
Cabe comentar aqui que o meu pai foi umbandista durante quase toda a vida. Num determinado momento de sua caminhada mediúnica, acabou envolvendo-se com ritos de outros cultos, "deitando pró santo", "fazendo camarinha" e "colocando sangue na cabeça". Resumindo a história: seus dias acabaram em trágica situação, bastante desequilibrado e com um terreiro aberto sem nenhum médium ou consulente. Desencarnou abruptamente, vítima de um ataque cardíaco. Logo após o seu desencarne, passei por sérias dificuldades existenciais, o que me levou a buscar ajuda para educar minha mediunidade. Somente após o terceiro ano de educação mediúnica, tive essa experiência marcante e inesquecível, além de ter conhecido Ramatís (foi a primeira vivência mediúnica que tive com ele nesta encarnação, conforme me lembro). Como não poderia deixar de ser, pela peculiaridade de seus ensinamentos, nosso encontro inicial se deu em torno de um assunto polémico. Mal sabia eu que isso serviria para minhapreparação, para estar futuramente à frente de um congá, zelando por uma choupana de umbanda.
Voltando na semana seguinte ao grupo de educação mediúnica do centro espírita que eu frequentava, não me contive e, reservadamente, confiei a experiência dos tambores no Astral à dirigente, e ela me mandou para a coordenação da escola de médiuns. Dito e feito: deram-me como obsediado e me encaminharam para a desobsessão por seis semanas consecutivas. Naquele dia, aprendi o significado do segredo: certas coisas devemos escutar, ver e calar. Nunca mais deixei de seguir uma orientação dos guias, quando me pedem para silenciar.
Atualmente, temos na Choupana o atabaque,1 que é um tipo de tambor. Ele compõe o que chamamos de"curimba", que é o nome do grupo responsável pelos toques e cantos sagrados dentro de um terreiro de umbanda. Os médiuns fazem parte da curimba e batem o atabaque que, para nós da umbanda, é um instrumento sagrado de percussão. Eles também cantam os pontos em conformidade com a sequência ritual da sessão.
A união dos pontos cantados com os toques do atabaque é de suma importância para a sustentação vibratória da sessão, e devem ser bem fundamentados e compreendidos por todos. Os cânticos servem de marcação para todo o ritual do terreiro, que se divide em partes: defumação, abertura, saudação, chamada, sustentação, descarga e encerramento. A defumação se dá logo no início. Na abertura, é cantado o hino da umbanda e o ponto do exu da tranqueira da casa.
l O atabaque (imagem acima) chegou ao Brasil junto com os escravos africanos e é usado em quase todos os rituais afro-brasileiros e na umbanda. É empregado basicamente para invocar os orixás. Feito de madeira e aros de ferro que sustentam o couro, formam uma potente caixa de percussão. Os três tamanhos de atabaques utilizados são chamados de rum, rumpi e lê. O rum, o maior de todos, possui o registro grave. O rumpi, o do meio, possui o registro médio. E o lê, o menor, possui o registro agudo. O trio de atabaques executa, ao longo das sessões, uma série de toques que devem estar de acordo com os orixás e com os cânticos que vão sendo chamados em cada momento do ritual.
Na saudação, louvamos o orixá regente do congá e o guia-chefe, se for o caso. Nos pontos de chamada, são invocadas todas as entidades que se manifestam através dos médiuns. Durante a sustentação são cantados os pontos, enquanto os consulentes tomam os passes e fazem suas consultas. Nessa fase do ritual, a gira está correndo, como se diz. No instante da descarga, cantamos para que as energias negativas não fiquem no terreiro e retornem à natureza, e então encerramos com os cânticos.
Obviamente, esse roteiro é básico e existem variações conforme os trabalhos da noite e de casa para casa.
Os toques do atabaque também têm a função de auxiliar a concentração da corrente mediúnica, uniformizando os pensamentos e não deixando a desatenção instalar-se. Associados aos cantos, envolvem a mente do médium, não deixando que se desvie do propósito do trabalho espiritual.
Desde as culturas xamânicas mais antigas, passando por praticamente todas as regiões planetárias ao longo da História, temos o registro do uso dos tambores com cunho espiritual. Os cantos bem entoados e vibrados atuam nos chacras superiores (notavelmente o cardíaco, o laríngeo e o frontal), ativando-os naturalmente e potencializando a sintonia com as entidades do Astral. As ondas sonoras emitidas pela curimba irradiam-se para todo o centro de umbanda, desagregam formas-pensamen-to negativas, morbos psíquicos e vibriões astrais "grudados" nas auras dos consulentes, diluindo miasmas, higienizando e limpando toda a atmosfera psíquica para que fique nas condições de assepsia e elevação que as práticas espirituais requerem.
Assim, a curimba transformou-se em um potente "pólo" irradiador de energia benfazeja dentro do terreiro, expandindo as vibrações dos orixás. Os cânticos são verdadeiras orações cantadas, ora invocativas, ora de dispersão ou de esconjuras. Também são excepcionais ordens magísticas com altíssimo poder de impacto etéreo-astral que concretizam, no campo da forma coletiva, o que era abstrato individualmente por intermédio das
mentes unidas com o mesmo objetivo. É um fundamento sagrado e divino chamado dentro da umbanda de "magia do som".
Há que se comentar que os guias não são chamados pelos atabaques, como muitos dizem por aí. Na verdade, eles já estão presentes no espaço astral do terreiro muito antes do início das atividades programadas. Os toques no atabaque, os cantos, as palmas, enfim, a curimba, por si sós não fazem a ligação com o plano espiritual e com os seus habitantes, servem apenas como sustentadores. O que realmente invoca os orixás e os mentores são os nossos sentimentos elevados e os pensamentos positivos emitidos. Se não houver harmonia no grupo, cumplicidade, confiança e amor em nossos corações, de nada servirão todos esses recursos sonoros. Eles só potencializarão a desarmonia, a desconfiança e o desamor. O elemento sustentador está em cada um de nós, o que está fora apenas potencializa o que temos dentro.
Tambor, tambor,
Vai buscar quem mora longe;
Tambor, tambor,
Vai buscar quem mora longe:
Vai buscar Oxóssi na mata,
Xangô na pedreira,
Ogum no humaitá,
Yemanjá na beira d'água,
e Oxum na cachoeira.
Texto retirado do livro: Mediunidade e Sacerdócio - Norberto Peixoto
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