sexta-feira, 26 de agosto de 2016

JUREMA

 
 
Jurema – A Recriação Contemporânea de um Mito
por Marcelo Bolshaw Gomes
Dentre os estudos da antropologia brasileira, a Jurema ocupa um lugar singular. O próprio termo 
comporta denotações múltiplas, que são associadas em um simbolismo complexo. Além do sentido botânico, a palavra Jurema designa ainda pelos menos três outros significados:
1. Preparado líquido à base de elementos do vegetal, de uso medicinal ou místico, externo e interno, como a bebida sagrada, “vinho da Jurema”; 
2. Cerimônia mágico-religiosa, liderada por pajés, xamãs, curandeiros, rezadeiras, pais de santo, mestras ou mestres juremeiros que preparam e bebem este “vinho” e/ou dão a beber a iniciados ou a clientes; 
3. Jurema sendo igualmente uma entidade espiritual, uma “cabocla”, ou divindade evocada tanto por indígenas, como remanescentes, herdeiros diretos em cerimônias do Catimbó, de cultos afr o-brasileiros e mais recentemente na Umbanda. 
Numa primeira fase da colonização, a resistência  dos povos indígenas no Nordeste  não permitiu que a Jurema, enquanto árvore sagrada, fosse conhecida  em seus usos e significados, não sendo assim documentada pelos colonizadores e estrangeiros.  Numa segunda fase histórica,  a Jurema representa um elemento ritual ligado à própria resistência armada dos povos indígenas ou à guerra empreendida contra inimigos , inclusive em suas alianças. Ainda nesta fase na qual a Jurema começa a ser documentada, seu   significado ainda não é entendido, mas seu uso já é motivo de repressão, prisão e morte de índios. Na medida em que avança o rolo compressor da colonização,  a Jurema assume um lugar central na religiosidade popular, não  só indígena regional –  Toré/Catimbó. Diante do componente negro,  a Jurema garante seu reconhecimento, como entidade (espírito, divindade, cabocla) autóctone, “dona da terra”.
Nas últimas décadas é no contexto da Umbanda, religião nascente e em pleno processo de sistematização e de expansão nacional, que a Jurema é integrada na cosmologia sagrada, no panteão da religião nacional. 
Constatamos as “Linhas da Jurema”, dentre as linhagens e filiações religiosas da Umbanda. 
Não é difícil entender porque a Jurema seria sagrada para os índios nordestinos antes da chegada dos brancos. Segundo Andrade, “enraizamento  linguístico  do termo Yu’rema na língua tupi é um forte indício de que o uso primordial, inclusive cerimonial do vinho da Jurema, além de ser herança da cultura indígena, regional, certamente já existia antes da presença dos colonizadores”. 
Além de seu caráter alucinógeno  e do seu comprovado uso nas guerras e ritos de passagem, a Jurema, enquanto planta, desempenha um papel central no ecossistema semiárido das caatingas nordestinas. 
Não é difícil entender porque a planta deveria ser considerada sagrada para as tribos do sertão, antes da chegada dos colonizadores. Mas, o fato é que a sacralidade da jurema foi uma identidade étnica historicamente construída  em  segredo durante a colonização por tribos litorâneas que não tinham a mesma tradição. Andrade argumenta que, durante o início da colonização, o uso da Jurema foi tolerado e aceito pelos portugueses católicos quando era canalizado para lógica de guerra contra invasores franceses e holandeses, enquanto seu uso religioso era condenado como feitiçaria. Há vários registros históricos (século XVI e XVII) sobre a eficácia militar dos guerreiros-juremeiros. Esta dupla permissão/condenação favoreceu uma expansão secreta e silenciosa da Jurema, levando o uso da bebida a ser conhecido pelas tribos amazônicas do Maranhão. 
Aqui fazemos um comentário:
Sendo assim “Jurema” é muito mais que “Cabocla Jurema”. É uma verdadeira Nação do astral ligada ao Catimbó como religião dos “Mestres da Jurema”, tendo origem no “Toré  indígena” que resume toda uma força vegetal. Dentro da Umbanda, o nome da árvore também representa a essência de cura com as ervas, bem como sua manipulação, e o nome da entidade “Cabocla Jurema”, que dispensa comentários.

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