quarta-feira, 6 de abril de 2016

Julgando atitudes


Ignorando a presença dos benfeitores espirituais no ambiente, alguns dos seus médiuns costumavam reunir-se no vestiário do templo para que pudessem colocar o papo em dia, antes de iniciar a sessão de atendimento ao público. Especialmente naquele dia, em alvoroço pelos últimos acontecimentos políticos do país, tendo os noticiários enfatizado a corrupção descoberta dentro do Congresso.
Ninguém é confiável dentro da política, são todos ladrões — comentava um deles.
— Enquanto nós passamos miséria aqui em baixo, lá em cima, eles que têm o poder nas mãos roubam-nos em plena luz do dia — respondia o outro.
— De que adianta pagarmos tantos impostos se o dinheiro é usado para eles usufruírem, enquanto o país padece com a falta de educação, de saúde, de estradas, além do problema da fome?
— São todos ladrões desavergonhados. Roubam milhões e não recebem punição, enquanto o pobre, quando rouba galinha para comer, vai para a cadeia.
— Por isso não sou a favor da pena de morte.
E assim os debates continuavam acalorados, atiçando a raiva e revolta existente no coração de cada um deles. A repercussão daquilo no astral eram emanações energéticas grotescas que se aglomeravam no interior do ambiente que já havia sido preparado pela espiritualidade, baixando a vibração dos médiuns que logo se aliaram a uma faixa de que espíritos afins aguardavam companhia material.
Saindo do local, dirigiram-se à frente do congá, onde foram bater cabeça e fazer a oração de conexão inicial com seus protetores. Ignoravam, porém, que haviam criado campo magnético extremamente grosseiro ao seu redor, tornando-se inacessíveis a espíritos de melhor vibração. Era preciso muito mais que uma prece para que se transmutasse a energia arrecadada.
Na concepção dos médiuns revoltados com os políticos, não interessava o que se pensava ou fazia anteriormente ao início dos atendimentos. Lá dentro eles eram médiuns e aparelhos para os guias, lá fora, homens comuns. Para eles, o importante era cumprir a missão.
Aberta a sessão que naquele dia era gira de preto velho, iniciaram-se as incorporações. Sem entender por que os três médiuns mais antigos da casa não estavam conseguindo se conectar com seus protetores e por que suavam demasiadamente o dirigente os levou até a frente do congá. Imediatamente, nele mesmo manifestou-se um Exú que executou o trabalho de "descarrego" das emanações telúricas que se adensavam acima de suas cabeças, impedindo a conexão que naquele momento se efetuava.
O trabalho seguiu um ritmo normal, e, no final, por intermédio do dirigente da casa, uma preta velha se manifestou para conversar com a corrente mediúnica:
"- Salve os manos da terra!
Um dia o grande mestre Jesus visitou a Terra e deixou aqui gravado seu exemplo de homem bom.
Nunca alguém o escutou mentindo, viu-o roubando ou julgando, mesmo inserido no mundo onde os homens praticavam tais atos.
Foi acusado injustamente, julgado e condenado. Tinha o poder de modificar seu destino se assim o quisesse, mas sabia que nada se ensina senão pelo exemplo, por isso perdoou seus ofensores.
Desceu às trevas antes de subir aos Céus e levou consigo quem mais o havia maculado.
Atualmente, a maioria da humanidade se julga cristã, muitos brigam e se dizem donos da imagem de Cristo, carregam crucifixo no peito, mas poucos seguem seus ensinamentos. Aqui mesmo, neste terreiro, reza-se o Pai Nosso, mas alguns só lembram da última frase que diz. "Livrai-nos de todos os males".
Os filhos da Terra ainda se acham no direito de julgar uns aos outros, quando deveriam ter a preocupação única da reforma íntima. Se estivermos vestidos e calçados adequadamente a chuva não nos molha, mas se sairmos distraídos no temporal, ele pode nos arrastar para a lama. O poder e a ambição, quando desmedidos, corrompem facilmente as melhores estruturas humanas.
Julgar as atitudes do outro pode ser perigoso, uma vez que não sabemos como agiríamos em seu lugar. Todos ainda carregam dentro de seu inconsciente tendências para serem corrigidas, a reencarnação oportuniza esse saneamento. Em cada vida, descerá à consiciência física tudo o que precisa ser arrumado, e nem sempre os filhos conseguem voltar com a casa em ordem. As tentações da matéria ainda assinalam árduo resgate. Corromper-se, no entanto, independe da posição ocupada na matéria, mas de estrutura moral e evolução espiritual, de valores recebidos desde tenra idade e da vontade de melhorá-los dia a dia.
Quem dos filhos nunca desobedeceu a nenhuma lei?
Quem nunca sonegou, mentiu ou pelo menos tentou enganar alguém?
Ladrão não é assim designado pelo tamanho ou pelo valor do roubo, ou é simplesmente porque rouba, seja uma moeda, uma caixa de fósforo, um carro ou um avião. Mentira vai ser sempre da nossa, mesmo que pareça inocente. Tirar vantagem de pequenas coisas denota claramente que assim seria diante de grandes oportunidades. São atitudes com as quais se consegue enganar os homens, mas que ficam registradas na sutileza dos corpos internos de cada um para que, na hora do acerto de contas, o juiz chamado "consciência" possa levar ao tribunal. Os erros dos outros devem servir para que não os incorporemos a nós. Façamos a nossa parte bem feita, a exemplo de Jesus, e repensemos em tudo o que está acontecendo no mundo. Nada nos vem como castigo, mas como reação de nossas ações. Esta é a Lei."
De cabeça baixa, todos encerraram a sessão com uma prece dirigida aos governantes, pedindo sabedoria e paz na Terra aos homens de boa vontade.
(Causos de Umbanda - A psicologia dos pretos velhos - Vovó Benta - obra psicografada por Leni W. Saviscla)

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