quarta-feira, 30 de março de 2016

      O que a Umbanda tem a oferecer?


 Hoje em dia, quando falamos em religião, os questionamentos são diversos. 
A principal questão levantada refere-se à função da mesma nesse início de milênio.

Tentaremos nesse texto, de forma panorâmica, levantar e propor algumas 
reflexões a esse respeito, tendo como foco do nosso estudo a Umbanda.

O que a religião e, mais especificamente, a religião de Umbanda, pode oferecer
 a uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como ela pode contribuir junto
ao ser humano em sua busca por paz interior, desenvolvimento pessoal e 
auto-realização?

Quais são suas contribuições ou posições nos aspectos sociais, em relação
 aos grandes problemas, paradoxos e dúvidas, que surgem na 
humanidade contemporânea?

Existe uma ponte entre Umbanda e ciência (?) _ algo indispensável e
 extremamente útil, nos dias de hoje, a estruturação de uma espiritualidade sadia.

O principal ponto de atuação de uma religião está nos aspectos
 subjetivos do “eu”. Antigamente, a religião estava diretamente ligada à Lei, 
aos controles morais e definição de padrões étnicos de uma sociedade _ 
vide os dez mandamentos e seu caráter legislativo, por exemplo. Hoje,
 mais que um padrão de comportamento, a religião deve procurar 
proporcionar “ferramentas reflexivas” ou “direções” para as questões 
existenciais que afligem o ser humano. Em relação a isso, acreditamos 
ser riquíssimo o potencial de contribuição do universo umbandista, mas,
 para tanto, necessitamos que muitas questões, aspectos e interfaces entre 
espiritualidade umbandista e outras religiões e ciência sejam desenvolvidos,
 contribuindo de forma efetiva para que a religião concretize um pensamento
 profundo e integral em relação ao ser humano, assumindo de vez uma
 postura atual e vanguardista dentro do pensamento religioso. Entre
 essas questões, podemos citar:

_ Um estudo aprofundado dos rituais umbandistas, não apenas em 
seus aspectos “magísticos”, mas também em seus sentidos culturais,
 psíquicos e sociais. Como uma gira de Umbanda, através de seus ritos,
 cantos e danças, envolve-se com o inconsciente das pessoas? Como 
podem colaborar para trabalhar aspectos “primitivos” tão reprimidos
 em uma sociedade pós-moderna como a nossa? Como os ritos ganham
 um significado coletivo, e quais são esses significados?

Grandes contribuições a sociologia e a antropologia podem dar à Umbanda.

_ Uma ponte entre as ciências da mente – como a psicanálise, 
psicologia – e a mediunidade, utilizando-se da última também como
 uma forma de explorar e conhecer o inconsciente humano. Mais do que 
isso, os aspectos psicoterápicos de uma gira de Umbanda e suas
 manifestações tão míticas-arquetípicas. Ou será que nunca perceberemos 
como uma gira de “erê”, por exemplo, além do trabalho espiritual realizado,
 muitas vezes funciona como uma sessão de psicoterapia em grupo?

_ A mediunidade como prática de autoconhecimento e porta para
 momentâneos estados alterados de consciência que contribuem para
o vislumbre e o alcance permanente de estágios de consciência superiores.
 Além disso, por que não a prática meditativa dentro da Umbanda (?) _ 
prática essa tão difundida pelas religiões orientais e que pesquisas 
recentes dentro da neurociência demonstram de forma inequívoca 
seus benefícios em relação à saúde física, emocional e mental.

_ Uma proposta bem fundamentada de integração de corpo-mente-espírito. 
Contribuição muito importante tanto em relação ao bem estar do indivíduo,
 como também dentro da medicina, visto que a OMS (Organização
 Mundial da Saúde) hoje admite que as doenças tenham como causas 
uma série de fatores dentro de um paradigma bio-psíquico-social 
caminhando para uma visão ainda mais holística, uma visão 
bio-psíquico-sócio-espiritual.

_ O estudo comparativo entre religiões, com uma proposta de tolerância 
e respeito as mais diversas tradições. Por seu caráter sincrético, 
heterodoxo e anti-fundamentalista, a Umbanda tem um exemplo
 prático de paz as inúmeras questões de conflitos étnico-religiosos que
 existem ao redor do mundo.

_ A liberdade de pensamento e de vida que a Umbanda dá as pessoas
 também deveria ser mais difundido, visto que isso se adapta muito 
bem ao modelo de espiritualidade que surge como tendência nesse começo 
de século XXI. Parece-nos que a Umbanda há muito tempo deixou 
de lado a velha ortodoxia religiosa de “um único pastor e único rebanho”,
para uma visão heterodoxa de se pensar espiritualidade, onde ela assume
 diversas formas de acordo com o estágio de desenvolvimento 
consciencial de cada pessoa, o que vem de encontro – por exemplo 
– com as idéias universalistas de Swami Vivekananda e seu 
discurso de “uma Verdade/Religião própria para cada pessoa na Terra”.
 E a Umbanda, assim como muitas outras religiões, pode sim 
desenvolver essa multiplicidade na unidade.

_ O resgate do sagrado na natureza e o respeito ao planeta como um
 grande organismo vivo. Na antiga tradição yorubana tínhamos um Orixá
 chamado Onilé, que representava a Terra planeta, a mãe Terra. Mesmo
 que seu culto não tenha se preservado, tanto nos candomblés atuais 
na Umbanda, através de seus outros “irmãos” Orixás, o culto a natureza 
é preservado e, em uma época crítica em termos ecológicos, a visão 
sagrada do planeta, dos mares, dos rios, das matas, dos animais,
 etc - ganha uma importância ideológica muito grande e dota a 
espiritualidade umbandista de uma consciência ecológica necessária.

_ O desenvolvimento de uma mística dentro da Umbanda, onde elementos
 pré-pessoais como os mitos e o pensamento mágico-animista, possam 
ser trabalhados dentro da racionalidade, levando até mesmo ao 
desenvolvimento de aspectos transpessoais, transracionais e trans-éticos
dentro da religião. A identificação do médium em transe com o Todo
 através do Orixá, a trans-ética que deve reger os trabalhos magísticos
 de Umbanda, os insights e a lucidez verdadeira que levam a mente 
para picos além da razão e do alcance da linguagem, o fim da ilusão
 dualista para uma real compreensão monista através da iluminação, 
são exemplos de aspectos transpessoais que podem ser (e faltam ser) 
desenvolvidos dentro da religião.

_ Os aspectos culturais, afinal Orixá é cultura, as entidades de Umbanda 
são cultura o sincretismo umbandista é cultura. Umbanda é cultura e é
 triste perceber o descaso, seja de pessoas não adeptas, como de 
umbandistas, que simplesmente não compreendem a importância cultural
 da Umbanda e da herança afro-indígena na construção de uma identidade
 nacional. A arte em suas mais variadas expressões tem na Umbanda um 
rico universo de inspiração. Cabe a ela apoiar e desenvolver mais aspectos 
de sua arte sacra.

Essas são, ao nosso entendimento, algumas das “questões-desafios” que a 
Umbanda tem pela frente, principalmente por ser uma religião nova,
 estabelecendo-se em um mundo extremamente multifacetado como o 
nosso. Muito mais poderia e com certeza deve ser discutido e desenvolvido
 dentro dela.

Apenas por essa introdução já se pode perceber a complexidade da
 questão e como é impossível ter uma resposta definitiva a respeito de tudo
 isso. Muitos podem achar que o que aqui foi dito esteja muito distante da
 realidade dos terreiros. Mas acreditamos que a discussão é pertinente,
principalmente devido ao centenário, onde muito mais que festas,
 deveríamos aproveitar esse momento para uma maior aproximação 
de ideais e pessoas, além de uma sólida estruturação do pensamento 
umbandista. Esperamos em outros textos abordar de forma mais 
profunda e propor algumas idéias a respeito das questões e 
relações aqui levantas. Esperamos também que outros umbandistas


Por Fernando Sepe

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