terça-feira, 12 de abril de 2016

A Visão de um Adepto: A Ética do Filho-de-santo




Por: Gregorio Lucio


Este texto trata de algumas reflexões particulares que tenho feito sobre a ética que deve existir na relação mestre-discípulo, pai/mãe-de-santo e filho-de-santo, dentro da religião Umbandista.

“Difícil não é ser mestre. Difícil é ser discípulo”. Porque "mestre"muitos acham que são ou podem ser.

O Sacerdote ou a Sacerdotisa dentro da religião de Umbanda (pai ou mãe-de-santo) detém as chaves e os conhecimentos fundamentais da raiz e da tradição umbandista que cada terreiro possui.

Como pessoas mais velhas dentro da tradição religiosa, que construíram o seu caminho antes de nós, o pai e a mãe-de-santo são reconhecidos como sendo capazes e capacitados para exercer sua função de líderes espirituais de uma comunidade de terreiro. Isso porque nosso pai/mãe-de-santo foram também filhos-de-santo daqueles que os precederam e passaram por um longo período de formação e aprendizado para estarem onde estão.

Na minha visão, quando uma pessoa escolhe uma casa de umbanda para frequentar, principalmente se na condição de médium, ela deve tomar essa decisão verificando se aquele templo dispõe de princípios de trabalho que se entendam como sendo ricos e coerentes com as expectativas que esta pessoa possui em sua busca espiritual. 

Com mais destaque, quando falamos daquele que será nosso pai/mãe espiritual. Devemos reconhecer essa pessoa como sendo portadora de valores ético-morais com os quais nos identificamos e como alguém de grande experiência na vivência umbandista, sendo ela quem irá guiar o discípulo pela estrada da iniciação, em cuja imagem e exemplo devemos nos inspirar.

Não quero dizer que tenhamos que cultuar, idolatrar e, muito menos, bajular a pessoa de nossa mãe/pai de santo. Tão pouco devemos procurar nela a imagem de um santo ou anjo perfeito e infalível, que está a nossa disposição para resolver todo e qualquer problema de nossas vidas, coisa que está muito distante da realidade de qualquer ser humano. Contudo, nosso mestre deve ser tido como alguém merecedor de grande estima e respeito de nossa parte.

Uma vez que escolhi aquela determinada pessoa para ser minha mãe-de-santo ou pai-de-santo, a ponto de dar a ela a minha coroa, a minha cabeça para ser “feita” e, consequentemente, comprometi-me com ela e com a minha comunidade de santo em ligações espirituais de profundidade, é porque reconheço-a como sendo plenamente capacitada para me guiar e orientar em minha vivência religiosa/espiritual dentro das Leis de Umbanda.

O filho-de-santo deve compreender que desrespeitar o seu Mestre Espiritual é desrespeitar o terreiro que frequenta, os Guias e Mentores da Casa e os irmãos-de-santo que lhe compartilham da vivência religiosa. Fazer piadas e debochar do Mestre demonstra uma personalidade infantil e ególatra, que se pretende ser auto-suficiente e substituir a figura do pai/mãe-de-santo pela sua própria. Mostrar despeito e desconsideração para com os ensinamentos e/ou advertências do líder religioso é achar-se melhor capacitado e mais experiente do que seu próprio mestre.

Na condição de filho-de-santo, gostaria também de colocar que essas situações são muito do gosto daqueles seres espirituais que habitam as trevas do mundo espiritual, os quais se valem destas aberturas que damos em nossos pensamentos mal conduzidos para insuflar essas atitudes infelizes, minando nossas resistências morais, provocando a dúvida e o desrespeito para com a Mãe ou o Pai-de-Santo, numa tentativa de desvirtuar e fazer falir as atividades benéficas e de auxílio que o templo religioso desenvolve.

Portanto, minha postura deve ser pautada em uma ética de respeito ao meu sacerdote/sacerdotisa. Suas palavras e ensinamentos devem ser sempre ouvidos em silêncio, mesmo que no momento não compreendidos, para serem posteriormente meditados pelo filho-de-santo para entender o sentido de suas lições. Caso determinadas colocações ou atitudes do babalorixá/yalorixá tenham causado dúvidas, discordâncias ou qualquer sentido de contrariedade para o filho-de-santo, este deve pedir uma conversa particular e direta com seu pai/mãe espiritual. Jamais colocar sua contrariedade como objeto de discussão pública dentro do terreiro. Porque muitas vezes, as razões que levaram o líder religioso a tomar determinadas posturas e medidas estão de acordo com a visão que este possui na sua condição de líder e de pessoa mais experiente, e que ainda escapa ao filho-de-santo uma compreensão integral a respeito, justamente por sua inexperiência. Sendo assim, na ética imposta ao filho-de-santo, jamais este deve fazer da figura, das atitudes e das palavras de seu pai/mãe-de-santo um motivo de piadas, de deboches e de despeito, denotando completo desrespeito para com seu líder religioso, assim como para com a comunidade que o rodeia.

Agora, cumprir obrigação para com a comunidade de santo não significa, somente, estar presente nas giras e nas datas festivas, uma vez que isso é algo que o filho-de-santo irá fazer dentro da sua disponibilidade de tempo dada pelo seu momento de vida e das atribuições de responsabilidades a que esteja vinculado ou de acordo com a regra de cada casa. Cumprir obrigações para com a comunidade de santo é ter uma postura respeitosa para com as regras disciplinares do templo, desde o vestuário recomendado até o comportamento ético que se exige do filho-de-santo dentro e fora do templo, para que sua casa, sua religião, os Guias Espirituais, e seu babalorixá/ialorixá sejam honrados pela sua conduta e seus exemplos.

O filho-de-santo deve procurar ter uma visão “horizontal” do seu templo religioso. Olhar ao redor e perceber que para além da sua contribuição pecuniária mensal, indispensável para o custeio mínimo das despesas do templo religioso, existem atividades necessárias para o bom andamento da casa e que demandam trabalhadores voluntários para a sua realização, podendo o filho-de-santo integrar-se as equipes de limpeza e organização da casa. Pois, quanto mais pessoas interessadas e dispostas a ajudar, menos sobra para um pequeno grupo de irmãos-de-terreiro que acabam ficando sobrecarregados, apesar de sua boa-vontade em ajudar sem enfado, nem reclamação.

Falando de irmãos-de-santo, a postura ética com respeito aos irmãos de terreiro. Irmão de santo ou de terreiro é, primeiro e antes de tudo, nosso parceiro de vivência espiritual e religiosa. Não deve ser visto como colega de bar. Naturalmente, o terreiro não deixa de ser um local próprio para uma experiência de cunho social e é completamente aceitável e saudável que as pessoas criem laços de amizade e de afeição umas pelas outras. Entretanto, isso não deve servir para que os irmãos-de-santo se vejam, dentro do ambiente do terreiro, como estando em um churrasco em casa familiar, na qual se vai falando todo o tipo de assunto, piadas, provocações, brincadeiras, etc. 

As conversações devem ser colocadas em um nível coerente ao lugar onde estão. E o terreiro é um templo religioso para onde vão pessoas buscando encontrar sentidos maiores para a sua vida, capazes de fazê-las suportar as provações pelas quais estão passando.

Da mesma maneira, olhar ao redor e perceber o público que busca a sua casa. Pessoas com problemas de saúde, com dificuldades no lar, desempregadas, vivendo dramas os mais variados e inimagináveis. Elas merecem um ambiente sereno e silencioso, onde podem orar e encontrar paz interior, contando com pessoas (filhos-de-santo) educadas, respeitosas e atenciosas? Ou merecem ver pessoas como se estivessem num clube social, em conversações despreocupadas, barulhentas, sobre coisas que nada tem a ver com o ambiente religioso onde estão?

Quem constrói um ambiente de paz ou de balburdia são os próprios filhos-de-santo da casa, uma vez que são os seus trabalhadores.

Assim, provocar situações que demonstrem desrespeito para com a pessoa do Líder Espiritual, seja fazendo piadas, debochando de suas advertências e lições, com pouco caso e despeito, desconsiderar o ambiente ao seu redor e entregar-se a condutas e conversas relaxadas em igual desrespeito para com os irmãos-de-terreiro e, principalmente, para com aqueles que buscam a sua casa de Umbanda em busca de amparo e consolo, é lançar sobre si mesmo o peso das Leis de Umbanda e, por mais que tais atitudes infelizes possam passar despercebidas ou mesmo serem fechadas ao conhecimento de seu Mestre Espiritual, jamais elas estarão desconhecidas dos Guias e Mentores do Templo, os quais tudo vêem e tudo sabem a respeito de cada um dos filhos-de-santo ligados à sua tradição.

Concluindo, quero enfatizar que é imprescindível uma postura ética e de estima para com a Mãe e o Pai-de-santo do terreiro. São eles os sustentáculos humanos dentro de cada tradição umbandista, são eles que detém as chaves da iniciação e a experiência construída antes de nós, capazes de nos ligar ao Sagrado e nos orientar na jornada espiritual dentro das Leis de Umbanda que escolhemos seguir, por vontade própria, os quais devemos honrar a todo momento, com nossa atitude de respeito, carinho e, acima de tudo, com nossos exemplos de retidão de conduta e melhoria como seres humanos dentro e fora do terreiro.

Fraternalmente.


Cambones

Cambone é uma atividade exercida nos terreiros de Umbanda e que merece uma atenção especial dada a sua importância como auxiliar das entidades, dos médiuns e dos dirigentes do Terreiro.
Como auxiliar das entidades, cabe ao cambone ser o interprete da mensagem entre a entidade e o consulente, além de um defensor da entidade e da integridade física do médium. Cabe a ele cuidar do material da entidade, orientar o que acontece em sua volta e também ajudar o entendimento do consulente, pois a linguagem do espírito nem sempre é entendida, mas ao cambone fica claro já pela sua intimidade com o comportamento do espírito que ele serve.
Por outro lado a posição do cambone nem sempre é confortável pois algumas vezes cabe a ele fiscalizar também o comportamento da entidade que, se por uma razão ou outra, fugir da normalidade deve imediatamente avisar a direção do terreiro. O limite da intimidade do consulente com o espírito ou o médium deve ser fiscalizado pelo cambone para evitar mal entendidos e desajustes de informações. Finalmente ao cambone é dada uma oportunidade especial de conhecer mais a Umbanda e a forma das entidades trabalharem porque seu contato é direto. Como o cambone tem como obrigação ouvir o que o espírito ouve e fala, seu conhecimento, em cada consulta, aumenta consideravelmente.
Quando eu comecei na Umbanda fiz questão de ser cambone e desempenhei esse papel durante muito tempo e posso afirmar que até hoje ele tem uma importancia direta no meu comportamento como médium e Pai de Santo.
Apenas como informação a quem quiser, estamos divulgando um aviso aos cambones do Terreiro do Pai Maneco elaborado pela Mirtes Rodrigues, responsável como assistente dos cambones na gira que dirijo.

Funções

  • Servir a entidade e ao médium
  • Colaborar material e espiritualmente com o médium e com a entidade, antes, durante e depois do trabalho.
  • Orientar o consulente quando não entende, banhos, entregas, novas consultas, vibrações e o que for necessário.
  • Prestar muita atenção na consulta, para não ser infringida nenhuma regra ou regulamento da casa, e notando alguma anormalidade deve ser comunicado a chefe de cambono ou à hierarquia e, conforme o caso, o pai-de-santo.
  • Deve apresentar honestidade e sigilo absoluto, não devendo nunca contar a ninguém o teor das consultas.
  • Não pode incorporar quando está atendendo a uma entidade, exceto quando autorizado pela entidade a quem estiver servindo.

Antes e durante os trabalhos

  • Levar todo material da entidade para seu respectivo lugar no terreiro (pemba, velas, ponteiros, bebida, fósforo, tabua, charutos, palheiros, cigarros, ervas, e eventuais outros materiais)
  • Servir a  entidade em tudo que ela precisar.
  • Não deixar de ouvir, mesmo que por solicitação do consulente, as consultas feitas às entidades e as respostas por elas dadas. Em caso de determinação da entidade para se afastar durante uma consulta, avisar imediatamente o pai-de-santo ou a entidade que nele estiver incorporada.
  • Durante a vibração, ficar atento à entidade e ao trabalho que ela realiza, sem contudo ser necessário ficar ao lado da entidade, a não ser que a mesma solicite.
  • Autorizado o atendimento, enquanto risca o ponto e firma seu trabalho, fornecendo-lhe os materiais necessários.
  • Conversar com a entidade quanto ao numero de consultas e o tempo disponível, sendo que ele não pode dizer para ao consulente.

Após os atendimentos

  • Conversar com a entidade, pedindo orientações quanto ao destino das sobras de material utilizado.
  • Levantar o ponto riscado da seguinte forma: retirar ponteiros, velas e outros materiais do ponto, e jogar cachaça sobre o ponto riscado, em forma de cruz, e com as mãos, apagar o ponto riscado. Depois pode retirar do local e limpar na torneira da pia com água.
  • Guardar e recolher o material, deixando o local limpo.

Orientações gerais

  • Ao se locomover pelo ambiente do ritual não furar nem costurar a corrente, evitando bater nos médiuns.
  • Ao afastar-se da função, seja por um período ou não, auxiliar o novo cambono, passando orientações a respeito do trabalho com as entidades.
  • Não aproveitar-se da função para fazer consultas em nome de parentes, amigos, sobrecarregando o trabalho das entidades.
  • Não manter diálogo com  assistência.
  • Qualquer dificuldade em orientar os consulentes, pedir auxilio a hierarquia
  • Não atrapalhar o encerramento dos trabalhos levantando o ponto ou guardando os materiais.
  • Durante a abertura e encerramento dos trabalhos, todos devem estar na corrente.

Cambones

  • Servir também é um aprendizado.
  • O trabalho do cambone  é tão importante quanto ao do médium e entidade.
  • A responsabilidade mediúnica do cambone é tão importante quanto a de qualquer outro médium.
  • O médium que camboneia, não atrapalha seu desenvolvimento. A experiência como cambono lhe é importantíssima no aprendizado.
  • Orientar a entidade quanto aos cuidados com o médium.
  • Avisar de qualquer situação constrangedora a hierarquia.
  • Levantar o perfil das entidades, visto que quem esta de fora, tem maior percepção e entendimento da entidade.
Eguns e Quiumbas

QUEM SÃO?
Eguns nada mais são do que os espíritos que já desencarnaram, e os Quiúmbas são exatamente a mesma coisa. Apenas se dá entre eles uma diferença de evolução.
Senão vejamos:
Eguns, são todos os que desencarnaram, tiveram vida humana, em contraposição aos Orixás que são forças da natureza. Caboclos, Pretos-Velhos, Crianças e Exús, são Eguns. (Na Umbanda assim como no Candomblé, Exú é considerado como Orixá, sendo reverenciado e cultuado desta forma).
Quiúmbas são Eguns ainda muito atrasados na escala de evolução espiritual (o que não quer dizer que não sejam astutos), que são considerados negativos e que por vezes, se fazem passar por outras entidades, normalmente Exús, trazendo inclusive um ponto de vista muito negativo para estas entidades, os Exús, por eles mistificados.
É sabido que o termo evolução é extremamente relativo e dentro de uma mesma qualidade de entidades poderá variar muito o grau de evolução entre cada um deles. O que queremos dizer é que entre os Caboclos, assim como entre os Pretos-Velhos e outras entidades, sempre haverá um que esteja um pouco acima, e um outro um pouco abaixo no nível de evolução. O certo, no entanto, é que estas entidades, Caboclos, Pretos-Velhos, Crianças, Exús e algumas outras, já chegaram a um nível de evolução tal que os permitem diferenciar o certo do errado e procurarem humildemente ajuda e colaboração das entidades de níveis mais altos, no sentido de auxiliar aos filhos que os procuram, nos momentos em que seus conhecimentos, permissão ou capacidade são impotentes para a ajuda.
Normalmente se ouve:
" - Você está com o encosto de um egun muito perigoso!"
" - Você precisa fazer uma obrigação para despachar este egun que está complicando sua vida!"
Isso realmente pode acontecer, pois como já dissemos, egun é todo espírito desencarnado. E pode acontecer até, que por ignorância do espírito (egun), ele possa estar muito próximo, principalmente de seus entes queridos quando em vida, tumultuando a vida deles, principalmente pela diferença de vibração de suas energias. Este egun, precisa certamente ser esclarecido e afastado. Várias doutrinas se ocupam deste mister de maneiras diferentes, comprovando que é necessário que os níveis de vida mantenham suas independências: o encarnado e o desencarnado.
Nota-se a diferença então entre os eguns, Entidades e quiúmbas. Na realidade egun é a qualificação de todo e qualquer espírito desencarnado. O seu nível de evolução é que o especificará!
Quando se refere aos espíritos vampirizadores, aos incitadores ao vício ou àqueles que se aproximam de nós sempre para o mal, os quais são comprados por quem tem a alma maculada pela maldade, para nos impor males ou feitiços, esses serão certamente os quiúmbas, mas numa generalização muito comum, sempre nos referimos a eles como eguns.
E até pela vaidade e muitas vezes pela ignorância, não admitimos que possamos estar sendo mediunizados por um egun, qual seja, um Caboclo, um Preto-Velho ou mesmo um Exú, para um trabalho de caridade.
Desmistifiquemos então o conceito de egun. E tentemos de todas as maneiras, pela caridade, pela fé, pela oração e pelo trabalho espiritual, elevarmos cada vez mais nossos eguns de fé para que, pelo trabalho deles, possam ser cada vez mais atraídos para os caminhos de luz, aqueles eguns, os quiúmbas, que ainda se encontram nos lamaçais da espiritualidade.

O CULTO DOS EGUNS NO CANDOMBLÉ
Os negros iorubanos originários da Nigéria trouxeram para o Brasil o culto dos seus ancestrais chamados Eguns ou Egunguns. Em Itaparica (BA), duas sociedades perpetuam essa tradição religiosa. (Revista Planeta n.º 162 - março 86)
Os cultos de origem africana chegaram ao Brasil juntamente com os escravos. Os iorubanos - um dos grupos étnicos da Nigéria, resultado de vários agrupamentos tribais, tais como Keto, Oyó, Ijexá, Ifan e Ifé, de forte tradição, principalmente religiosa - nos enriqueceram com o culto de divindades denominadas genericamente de orixás.
(1 - Por motivos gráficos e para facilitar a leitura, os termos em língua yorubá foram aportuguesados. Ex.: orisá = orixá.)
Esses negros iorubanos não apenas adoram e cultuam suas divindades, mas também seus ancestrais, principalmente os masculinos. A morte não é o ponto final da vida para o iorubano, pois ele acredita na reencarnação (àtúnwa), ou seja, a pessoa renasce no mesmo seio familiar ao qual pertencia; ela revive em um dos seus descendentes. A reencarnação acontece para ambos os sexos; é o fato terrível e angustiante para eles não reencarnar.
Os mortos do sexo feminino recebem o nome de Iami Agbá (minha mãe anciã), mas não são cultuados individualmente. Sua energia como ancestral é aglutinada de forma coletiva e representada por Iami Oxorongá, chamada também de Iá Nlá, a grande mãe.
Esta imensa massa energética que representa o poder de ancestralidade coletiva feminina é cultuada pelas "Sociedades Geledê", compostas exclusivamente por mulheres, e somente elas detêm e manipulam este perigoso poder. O medo da ira de Iami nas comunidades é tão grande que, nos festivais anuais na Nigéria em louvor ao poder feminino ancestral, os homens se vestem de mulher e usam máscaras com características femininas, dançam para acalmar a ira e manter, entre outras coisas, a harmonia entre o poder masculino e o feminino.
Além da Sociedade Geledê, existe também na Nigéria a Sociedade Oro. Este é o nome dado ao culto coletivo dos mortos masculinos quando não individualizados. Oro é uma divindade tal qual Iami Oxorongá, sendo considerado o representante geral dos antepassados masculinos e cultuado somente por homens. Tanto Iami quanto Oro são manifestações de culto aos mortos. São invisíveis e representam a coletividade, mas o poder de Iami é maior e, portanto, mais controlado, inclusive, pela Sociedade Oro.
Outra forma, e mais importante de culto aos ancestrais masculinos é elaborada pelas "Sociedades Egungum". Estas têm como finalidade celebrar ritos a homens que foram figuras destacadas em suas sociedades ou comunidades quando vivos, para que eles continuem presentes entre seus descendentes de forma privilegiada, mantendo na morte a sua individualidade. Esse mortos surgem de forma visível mas camuflada, a verdadeira resposta religiosa da vida pós-morte, denominada Egum ou Egungum. Somente os mortos do sexo masculino fazem aparições, pois só os homens possuem ou mantém a individualidade; às mulheres é negado este privilégio, assim como o de participar diretamente do culto.
Esses Eguns são cultuados de forma adequada e específica por sua sociedade, em locais e templos com sacerdotes diferentes dos dos orixás. Embora todos os sistemas de sociedade que conhecemos sejam diferentes, o conjunto forma uma só religião: a iorubana.
No Brasil existem duas dessas sociedades de Egungum, cujo tronco comum remonta ao tempo da escravatura: Ilê Agboulá, a mais antiga, em Ponta de Areia, e uma mais recente e ramificação da primeira, o Ilê Oyá, ambas em Itaparica, Bahia (veja quadro histórico).
O Egum é a morte que volta à terra em forma espiritual e visível aos olhos dos vivos. Ele "nasce" através de ritos que sua comunidade elabora e pelas mãos dos Ojé (sacerdotes) munidos de um instrumento invocatório, um bastão chamado ixã, que, quando tocado na terra por três vezes e acompanhado de palavras e gestos rituais, faz com que a "morte se torne vida", e o Egungum ancestral individualizado está de novo "vivo".
A aparição dos Eguns é cercada de total mistério, diferente do culto aos orixás, em que o transe acontece durante as cerimônias públicas, perante olhares profanos, fiéis e iniciados. O Egungum simplesmente surge no salão, causando impacto visual e usando a surpresa como rito. Apresenta-se com uma forma corporal humana totalmente recoberta por uma roupa de tiras multicoloridas, que caem da parte superior da cabeça formando uma grande massa de panos, da qual não se vê nenhum vestígio do que é ou de quem está sob a roupa.
Fala com uma voz gutural inumana, rouca, ou às vezes aguda, metálica e estridente - característica de Egum, chamada de séègí ou sé, e que está relacionada com a voz do macaco marrom, chamado ijimerê na Nigéria (veja lendas de Oyá).
As tradições religiosas dizem que sob a roupa está somente a energia do ancestral; outras correntes já afirmam estar sob os panos algum mariwo (iniciado no culto de Egum) sob transe mediúnico. Mas, contradizendo a lei do culto, os mariwo não podem cair em transe, de qualquer tipo que seja. Pelo sim ou pelo não, Egum está entre os vivos, e não se pode negar sua presença, energética ou mediúnica, pois as roupas ali estão e isto é Egum.
A roupa do Egum - chamada de eku na Nigéria ou opá na Bahia -, ou o Egungum propriamente dito, é altamente sacra ou sacrossanta e, por dogma, nenhum humano pode tocá-la. Todos os mariwo usam o ixã para controlar a "morte", ali representada pelos Eguns. Eles e a assistência não devem tocar-se, pois, como é dito nas falas populares dessas comunidades, a pessoa que for tocada por Egum se tornará um "assombrado", e o perigo a rondará. Ela então deverá passar por vários ritos de purificação para afastar os perigos de doença ou, talvez, a própria morte.
Ora, o Egum é a materialização da morte sob as tiras de pano, e o contato, ainda que um simples esbarrão nessas tiras, é prejudicial. E mesmo os mais qualificados sacerdotes - como os ojé atokun, que invocamm, guiam e zelam por um ou mais Eguns - desempenham todas essas atribuições substituindo as mãos pelo ixã.
Os Egum-Agbá (ancião), também chamados de Babá-Egum (pai), são Eguns que já tiveram os seus ritos completos e permitem, por isso, que suas roupas sejam mais completas e suas vozes sejam liberadas para que eles possam conversar com os vivos. Os Apaaraká são Eguns mudos e suas roupas são as mais simples: não têm tiras e parecem um quadro de pano com duas telas, uma na frente e outra atrás. Esses Eguns ainda estão em processo de elaboração para alcançar o status de Babá; são traquinos e imprevisíveis, assustam e causam terror ao povo.
O eku dos Babá são divididos em três partes:
• o abalá, que é uma armação quadrada ou redonda, como se fosse um chapéu que cobre totalmente a extremidade superior do Babá, e da qual caem várias tiras de panos coloridas, formando uma espécie de franjas ao seu redor;
• o kafô, uma túnica de mangas que acabam em luvas, e pernas que acabam igualmente em sapatos; e
• o banté, que é uma tira de pano especial presa no kafô e individualmente decorada e que identifica o Babá.
O banté, que foi previamente preparado e impregnado de axé (força, poder, energia transmissível e acumulável), é usado pelo Babá quando está falando e abençoando os fiéis. Ele sacode na direção da pessoa e esta faz gestos com as mãos que simulam o ato de pegar algo, no caso o axé, e incorporá-lo. Ao contrário do toque na roupa, este ato é altamente benéfico.
Na Nigéria, os Agbá-Egum portam o mesmo tipo de roupa, mas com alguns apetrechos adicionais: uns usam sobre o alabá mascaras esculpidas em madeira chamadas erê egungum; outros, entre os alabá e o kafô, usam peles de animais; alguns Babá carregam na mão o opá iku e, às vezes, o ixã. Nestes casos, a ira dos Babás é representada por esses instrumentos litúrgicos.
Existem várias qualificações de Egum, como Babá e Apaaraká, conforme sus ritos, e entre os Agbá, conforme suas roupas, paramentos e maneira de se comportarem. As classificações, em verdade, são extensas.
Nas festas de Egungum, em Itaparica, o salão público não tem janelas, e, logo após os fiéis entrarem, a porta principal é fechada e somente aberta no final da cerimônia, quando o dia já está clareando. Os Eguns entram no salão através de uma porta secundária e exclusiva, único local de união com o mundo externo.
Os ancestrais são invocados e eles rondam os espaços físicos do terreiro. Vários amuxã (iniciados que portam o ixã) funcionam como guardas espalhados pelo terreiro e nos seus limites, para evitar que alguns Babá ou os perigosos Apaaraká que escapem aos olhos atentos dos ojés saiam do espaço delimitado e invadam as redondezas não protegidas.
Os Eguns são invocados numa outra construção sacra, perto mas separada do grande salão, chamada de ilê awo (casa do segredo), na Bahia, e igbo igbalé (bosque da floresta), na Nigéria. O ilê awo é dividido em uma ante-sala, onde somente os ojé podem entrar, e o lèsànyin ou ojê agbá entram.
Balé é o local onde estão os idiegungum, os assentamentos - estes são elementos litúrgicos que, associados, individualizam e identificam o Egum ali cultuado -, e o ojubô-babá, que é um buraco feito diretamente na terra, rodeado por vários ixã, os quais, de pé, delimitam o local.
Nos ojubô são colocadas oferendas de alimentos e sacrifícios de animais para o Egum a ser cultuado ou invocado. No ilê awo também está o assentamento da divindade Oyá na qualidade de Igbalé, ou seja, Oyá Igbalé - a única divindade feminina venerada e cultuada, simultaneamente, pelos adeptos e pelos próprios Eguns (veja Mitos Oyá-Egum).
No balé os ojê atokun vão invocar o Egum escolhido diretamente no assentamento, e é neste local que o awo (segredo) - o poder e o axé de Egum - nasce através do conjunto ojê-ixã/idi-ojubô. A roupa é preenchida e Egum se torna visível aos olhos humanos.
Após saírem do ilê awo, os Eguns são conduzidos pelos amuxã até a porta secundária do salão, entrando no local onde os fiéis os esperam, causando espanto e admiração, pois eles ali chegaram levados pelas vozes dos ojê, pelo som dos amuxã, brandindo os ixã pelo chão e aos gritos de saudação e repiques dos tambores dos alabê (tocadores e cantadores de Egum). O clima é realmente perfeito.
O espaço físico do salão é dividido entre sacro e profano. O sacro é a parte onde estão os tambores e seus alabê e várias cadeiras especiais previamente preparadas e escolhidas, nas quais os Eguns, após dançarem e cantarem, descansam por alguns momentos na companhia dos outros, sentados ou andando, mas sempre unidos, o maior tempo possível, com sua comunidade. Este é o objetivo principal do culto: unir os vivos com os mortos.
Nesta parte sacra, mulheres não podem entrar nem tocar nas cadeiras, pois o culto é totalmente restrito aos homens. Mas existem raras e privilegiadas mulheres que são exceção, como se fosse a própria Oyá; elas são geralmente iniciadas no culto dos orixás e possuem simultaneamente oiê (posto e cargo hierárquico) no culto de Egum - estas posições de grande relevância causam inveja à comunidade feminina de fiéis.
São estas mulheres que zelam pelo culto, fora dos mistérios, confeccionando as roupas, mantendo a ordem no salão, respondendo a todos os cânticos ou puxando alguns especiais, que somente elas têm o direito de cantar para os Babá. Antes de iniciar os rituais para Egum, elas fazem uma roda para dançar e cantar em louvor aos orixás; após esta saudação elas permanecem sentadas junto com as outras mulheres. Elas funcionam como elo de ligação entre os atokun e os Eguns ao transmitir suas mensagens aos fiéis. Elas conhecem todos os Babá, seu jeito e suas manias, e sabem como agradá-los(ver quadro: oiê femininos).
Este espaço sagrado é o mundo do Egum nos momentos de encontro com seus descendentes. Assistência está separada deste mundo pelos ixã que os amuxã colocam estrategicamente no chão, fazendo assim uma divisão simbólica e ritual dos espaços, separando a "morte" da "vida". É através do ixã que se evita o contato com o Egun: ele respeita totalmente o preceito, é o instrumento que o invoca e o controla. às vezes, os mariwo são obrigados a segurar o Egum com o ixã no seu peito, tal é a volúpia e a tendência natural de ele tentar ir ao encontro dos vivos, sendo preciso, vez ou outra, o próprio atokun ter de intervir rápida e rispidamente, pois é o ojê que por ele zela e o invoca, pelo qual ele tem grande respeito.
O espaço profano é dividido em dois lados: à esquerda ficam as mulheres e crianças e à direita, os homens. Após Babá entrar no salão, ele começa a cantar seus cânticos preferidos, porque cada Egum em vida pertencia a um determinado orixá. Como diz a religião, toda pessoa tem seu próprio orixá e esta característica é mantida pelo Egun.
Por exemplo: se alguém em vida pertencia a Xangô, quando morto e vindo com Egum, ele terá em suas vestes as características de Xangô, puxando pelas cores vermelha e branca. Portará um oxê (machado de lâmina dupla), que é sua insígnia; pedirá aos alabês que toquem o alujá, que também é o ritmo preferido de Xangô, e dançará ao som dos tambores e das palmas entusiastas e excitantemente marcadas pelo oiê femininos, que também responderão aos cânticos e exigirão a mesma animação das outras pessoas ali presentes.
Babá também dançará e cantará suas próprias músicas, após ter louvado a todos e ser bastante reverenciado. Ele conversará com os fiéis, falará em um possível iorubá arcaico e seu atokun funcionará como tradutor. Babá-Egum começará perguntando pelos seus fiéis mais freqüentes, principalmente pelos oiê femininos; depois, pelos outros e finalmente será apresentado às pessoas que ali chegaram pela primeira vez.
Babá estará orientando, abençoando e punindo, se necessário, fazendo o papél de um verdadeiro pai, presente entre seus descendentes para aconselhá-los e protegê-los, mantendo assim a moral disciplina comum às suas comunidades, funcionando como verdadeiro mediador dos costumes e das tradições religiosas e laicas.
Finalizando a conversa com os fiéis e já tendo visto seus filhos, Babá-Egum parte, a festa termina e a porta principal é aberta: o dia já amanheceu. Babá partiu, mas continuará protegendo e abençoando os que foram vê-lo.
Esta é uma breve descrição de Egungum, de uma festa e de sua sociedade, não detalhada, mas o suficiente para um primeiro e simples contato com este importante lado da religião. E também para se compreender a morte e a vida através das ancestralidades cultuadas nessas comunidades de Itaparica, como um reflexo da sobrevivência direta, cultural e religiosa dos iorubanos da Nigéria.
Por Manoel Gomes Filho