terça-feira, 1 de setembro de 2015

Pai Sebastião


Nêgo véio lembra até hoje o primeiro dia que conversou com a zifia Carla.
De longe este nêgo já via que o semblante de zifia indicava tremenda tempestade interior.
A zifia chegou na frente de nêgo, pediu licença para sentar e disse:
- Pai Sebastião, a minha vida precisa mudar!
E mais zifia num conseguiu dizer por que começou a soluçar de choro. Então, nêgo pegou as mãos da zifia e disse:
- Se é para começar a mudar zifia, então na força de Deus-nosso-pai, vamos começar agora! Este nêgo pede simplesmente que suncê chore minha filha!!! Chega de prender estas lágrimas! Chega de prender esta dor! Se nóis dois vamos trabalhar com Jesus pra sua vida começar a mudar, então suncê tem que compartilhar sua dor.
Zifia Carla continuava num chororô sem fim e Véio viu sério problema no chacra cardíaco dela. Peguei a vela que tava no ponto, pedi a cambone pra acender meu pito e procurei dar um passe bembutado* na zifia.
Aos poucos os soluços foram parando, as lágrimas diminuíram e, quando finalmente cessaram, disse a ela:
- Com o poder de Zambi*, zifia, não existe tempestade que não cesse!
- É verdade vovô! Parece que tudo ficou mais leve, apesar do problema continuar.
- De qual problema suncê fala, zifia?
- Ah Pai Sebastião nos últimos anos parece que existe um complô de inimigos espirituais para atrapalhar toda minha vida!
- Não só a sua zifia, mas a de todos os zifios criados por Zambi-nosso-pai.
- Sério?
- Mas num tá escrito no livro sagrado que os adversários espirituais andam em derredor, rugindo como leão e procurando a quem possa tragar?
- Também num tá escrito que a luta não é contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra as hostes espirituais da maldade?
- É verdade vovô! Mas por que eles me perseguem?
- Zifia Carla, nêgo veio observa que suncê tem certo conhecimento sobre as coisas do espírito, certo?
- Sim senhor!
- Estes, que suncê diz serem seus inimigos, são adversários de outras eras, outras encarnações zifia.
- Mas o que fazer para me livrar deles?
- Também tá escrito no livro sagrado: “ faça sua parte que o céu te ajudará”.
- Como assim?
- Suncê num deve viver sua vida pautada pelo medo, mas pela fé em Deus!
- Mas eu tenho muita fé! Só que esta fé não está impedindo estes adversários de me atrapalharem a conseguir um emprego.
- Zifia, na verdade, é suncê que tá atrapalhando a si mesma.
- Eu? Mas o senhor não falou que estou sob atuação de adversários espirituais?
- Sim! Mas a pergunta é: Como eles chegaram até suncê? Qual porta suncê abriu pra que o leão pudesse entrar? Tá entendendo zífia?
- Agora sim!  Mas não saberia dizer qual foi a porta que abri! A única porta que está aberta há três meses em minha vida e que não consigo fechar é a porta do desemprego!
- Mas seus adversários não adentraram por esta porta! A porta pela qual eles entraram foi aberta bem antes dessa.
- Ah é?!???
- Zifia a mim tá sendo mostrado, pelos seus próprios mentores espirituais, que há sete meses suncê se frustrou com sua ex-chefe por não haver recebido certa promoção no emprego, não é verdade?
- Sim, mas o que isto teria a ver? Frustração é comum quando você está mais preparada para exercer uma função e a pessoa promovida para exercê-la não tem metade de sua qualificação.
- Zifia, num cai uma folha da árvore se num for da vontade de Deus! Suncê já parou pra pensar que não é possível conhecer os desígnios de Deus? Que aquela não era sua hora não por falta de qualificação, mas, pelo menos naquele momento, por falta de merecimento?
- É duro reconhecer tal possibilidade, mas acho que é isso mesmo! Então esta foi a porta que eu abri?
- Não.
- Não?
- Não zifia. Suncê num é zifia de andar com a crista baixa! Com o ocorrido suncê num ia ficar se lamentando e se auto-depreciando, muito pelo contrário; orgulhosa que suncê é, após o ocorrido suncê passou a querer demonstrar, de todas as formas, que sua chefe tinha promovido a pessoa errada.
- Passou a agir com altivez em relação aos colegas, começou a executar tarefas que estavam acima de seu cargo, até que quatro meses depois um grande negócio não foi fechado e suncê foi responsabilizada! Daí suncê foi demitida, num foi assim?
- Foi Pai Sebastião, foi assim mesmo! Concordo quando o senhor diz que sou orgulhosa. Passei a viver com muita raiva e foi aí que abri a porta não é?
- Não!
- Não?
- Não zifia! Aí foi quando suncê a deixou entreaberta!
- Sério? E quando foi que a abri?
- Por que suncê não contou ao esposo que tá desempregada?
- Por que é um direito meu! Estou ajudando em casa com o dinheiro do seguro! Não tem problema nenhum!
- Todo santo dia suncê sai de casa dizendo ao esposo que tá indo trabalhar enquanto, na verdade, tá procurando emprego.
- E qual o problema vovô? Não estou entendendo?
- Qual dificuldade suncê teria pra dizer ao esposo que tá desempregada? Ele é um mau esposo? Poderia maltratar suncê com algum tipo de violência?
- Não vovô, é muito pelo contrário!
- Suncês não juraram fidelidade um ao outro?
- Pensei que fosse coisa boba.
- Orgulho é coisa muito séria zifia! São três os pilares que mantém suncês em harmonia: religião, família e trabalho. A religião suncê num professa há algum tempo, o trabalho suncê perdeu há alguns meses e o relacionamento com seu esposo também não vai muito bem, logo zifia, suncê chegou aqui hoje em grande desarmonia interior.
- Então quer dizer que se contar ao Paulo sobre o desemprego, eu vou conseguir ser recolocada no mercado de trabalho?
- Zifia, acho que num devo ter conseguido explicar direito: o orgulho zifia é uma enfermidade da alma! Ele corrói as defesas psíquicas, atrai parasitas astrais que corroem a aura, alcançam os centros de força* fazendo suncês padecer no corpo físico e podendo até levar suncês ao desencarne.
- O silêncio de zifia com o marido não é a causa da enfermidade que provocou a abertura da porta, mas um sintoma dela, desta enfermidade tão perniciosa conhecida como orgulho.
- Então falar com ele não vai adiantar de nada?
- Vai atuar como porta de entrada para o tratamento da moléstia.
- E os adversários espirituais?
- Também são sintomas da doença.
- Existe tratamento para esta doença?
- Claro zifia Carla! Suncê veio ao mundo para isto!
- Ah é?
- Claro zifia! Foi sua conduta orgulhosa em vidas pregressas que atraíram tais adversários para sua vida.
- Seu tratamento zifia deve ser realizado com um santo remédio: o amor! O amor é um santo remédio e cobre uma multidão de pecados!
- E onde eu consigo deste remédio?
- Está dentro de você, só que praticamente inerte, é preciso movimentá-lo!
- E como faço isto?
- Amando a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo!
- Como assim?
- Reaproxime-se de Zambi-nosso-pai! Ele vai aquecer seu coração e fazê-la encontrar o amor Dele que habita o seu interior.
- Entendi.
- Também está na hora de retomar sua jornada na Umbanda, fazer a caridade, dar o pouco que se tem aos que tem menos ainda! Fazendo isto a porta tornará a se fechar e os adversários não terão como lhe alcançar.
- Entendi, mas e o emprego?
- Faça sua parte que o céu lhe ajudará!!!
- Tenho fé em Deus que sim!!! Vou fazer como o senhor pediu. Muito obrigada por tudo!!!
- Agradece a Nêgo não zifia, só a Zambi nosso pai!!!
Zifia Carla se foi e demorou um ano pra tornar a conversar com este Nêgo Véio. Estava freqüentando a Umbanda em um Terreiro bem mais próximo da casa dela, e isto já há um ano. Conseguira emprego para exercer função de mais responsabilidade do que aquela que queria antes. Apareceu grávida de sete meses pra conversar com este nêgo.
Disse que tinha vindo ali não para agradecer, já que este Nêgo tinha pedido pra ela agradecer só a Deus quando recebesse alguma benção, mas que tava ali pra dizer que o nome do filho dela seria Sebastião, para homenagear a este preto-velho.
Nêgo tentou de todas as formas tirar esta idéia da cabeça da zifia pedindo que ela colocasse o nome de Jesus no curumim*, a fim de homenagear ao nosso amado mestre; ou então com o nome de Marcos, Mateus ou algum evangelista, pois homenageando a eles aí sim, este Nêgo estaria se sentindo homenageado.
Mas aí a zifia declinou justificando que cada vez que olhasse para o curumim de nome Sebastião se lembraria do compromisso que fizera de ser uma pessoa mais humilde e se sentiria incentivada a continuar se esforçando a amar a Deus e ao próximo com mais ímpeto; enfim, disse que sempre se lembraria de cuidar em educar o curumim para ser um indivíduo mais humilde do que ela, talvez, pudesse ser um dia.
Este nêgo véio nunca deixa de se impressionar com a infinitude do amor de Deus. Uma zifia que reencarnara amiga do orgulho agora se esforçava ao máximo para manter estreitos laços com a companheira humildade e, mais do que isso, teria o compromisso firmado em apresentá-la ao seu curumim desde o seu primeiro sopro de vida!
Salve Zambi-Nosso-Pai!!!
Salve o perdão! Salve o amor! Salve a humildade!!!

*Butado = bom
*Zambi = Deus
*Centro de força = chacras
*Curumim = criança

Na gira de esquerda



Edu estava ansioso em participar de uma gira de esquerda. Seria sua primeira vez e ele estava aflito em pedir auxílio para suas questões.
Foi mostrada a ele a lista de quais entidades prestariam consultas naquela gira. Edu escolheu o nome que para ele mostrava mais força: Exu Tiriri.
Após certo tempo seu nome foi chamado e ele foi conversar com a entidade.
- Boa noite, cabra!
- Boa noite Sr. Exu Tiriri!!! Escolhi consultar com o senhor, por que senti muita força em seu nome.
- Você teve a sensação errada cabra!!! Exu é tudo igual, só muda a forma de atuação!
- É que seu nome me pareceu forte. Parece que tem poder.
- No nome de Deus é que reside todo poder!
- Estou com a sensação que o senhor não gosta de elogios!
- Nem de bajulação!
- Mas não o estou bajulando!
- E nem eu disse que estava! Apenas lhe esclareci em sua própria dedução!
- E por que você não gosta de elogio e nem de bajulação?
- Por que nenhum elogio ou bajulação é capaz de fazer com que alguém receba aquilo que não tenha merecimento para receber. Ou dar aquilo do que não pode oferecer.
- Não entendi!!!
- Não se preocupe, cabra! Faça seu pedido!
- Gostaria de subir de cargo no meu local de trabalho!
- Vejo que você gostaria de outra coisa.
- Outra coisa? E o que seria?
- Na sua linguagem?: “Calar a boca de seu pai e de sua irmã!”
Edu engoliu seco, mas disse:
- É isto mesmo o que eu quero. Eles precisam aprender a não me menosprezar! Fica ele adulando a ela e ela se achando melhor do que eu.
- Pelo que posso perceber você tem uma maneira distorcida de enxergar as coisas.
- Distorcida?
- É cabra! O que seu pai diz é que as atitudes de sua irmã são mais responsáveis que as suas.
- Mas não sou obrigado a ver as coisas como ele! Nós temos profissões diferentes, mas ela é sub-gerente tanto quanto eu! Só por que ela trabalha de carteira assinada e eu não o meu “velho” vive enchendo minha paciência. Só porque ela tem curso superior e eu terminei no ensino médio, ele também me aporrinha. Que saco!!!
- É cabra, somente quando você descobrir sua real força interior conseguirá sentir o amor a sua volta. Quando isto acontecer você vai querer sentar em minha frente só para dizer uma palavra: Obrigado! Mesmo que seja absolutamente desnecessário, uma vez que só o Divino criador é que é digno de toda gratidão!
- Já vi que não vou receber o que vim pedir, então, se você puder me dar licença, gostaria de ir embora.
- É o contrário, cabra! Você, por ter merecimento, receberá o que veio buscar!
- Puxa, que bom! Obrigado por me ajudar!
- Eu não vou lhe ajudar e nem prejudicar, pois sou Exu! Só vou executar aquilo que a Justiça divina me pede e ponto! Espero que faça bom proveito do que lhe disse, pois só assim poderá usufruir com sabedoria de tudo aquilo que receberá.
- Obrigado!
- Não me agradeça ainda! Tome, conserve isto no porta-luvas do seu carro!
- o que é isto?
- Uma semente conhecida como olho de boi. É para sua proteção!
- Muito obrigado!
Edu foi para a casa. O tempo passou e ele recebeu a promoção que esperava: tornara-se gerente. Passou a receber uma maior renumeração. Passou a andar com vários amigos e, como gostava de dizer, arranjou uma “deusa” para namorar. Passou a ingerir bebida alcoólica em muita quantidade e com mais freqüência que o habitual.
O tempo passou e em uma madrugada quando dirigia de volta para a casa, após passar a noite em uma boate, um carro surgiu a sua frente em uma curva bem fechada. Ele tentou desviar-se, mas como seguia em alta velocidade, um leve toque foi suficiente para jogá-lo ribanceira abaixo. O carro capotou diversas vezes e ninguém poderia dizer que, naquele acidente, alguém poderia haver sobrevivido.
Mas foi o que aconteceu com o Edu, contudo não sem deixar seqüelas, pois ele perdera o movimento das pernas e só conseguiria retomá-lo, talvez, com muita fisioterapia.
Foi demitido de seu emprego sem benefícios a que teria direito se tivesse a carteira assinada.
Ficaria sem ter como arcar com despesas para sua recuperação se não fosse o apoio financeiro do pai e da irmã, sendo esta, inclusive que realizou o tratamento fisioterápico, uma vez que tinha formação para tanto.
Seu dinheiro acabou, seus amigos sumiram e sua “deusa” desaparecera.
Edu nunca imaginara que poderia suportar tamanha falta de consideração, mas não se deixou abater. Com o apoio do pai e da irmã, e com o passar dos meses, Edu passou a recuperar lentamente o movimento dos membros inferiores.
Jamais pensou que pudesse receber tanto apoio e afeto de sua família. Refletiu bastante em sua vida e implorou o perdão a eles, que não tiveram nenhuma dificuldade em concedê-lo.
Mais alguns meses correram e Edu já conseguia andar quase que “ normalmente”. Resolveu, assim, buscar sua participação em nova gira de esquerda.
Voltou ao Terreiro e escolheu consultar-se novamente com Exu Tiriri.
Aguardou a sua vez e foi chamado para a consulta.
Diante do Exu ele recordou-se de tudo que vivera até ali e seu olhar mareou. Foi com o brilho de lágrimas em seus olhos que Edu disse a entidade:
- Não sei como, mas eu sei que você sabe tudo que aconteceu comigo nos últimos meses. Quando cheguei no hospital, após haver sido retirado das ferragens, os médicos disseram que tiveram muita dificuldade para tirar alguma coisa que eu segurava com toda a força em meu punho esquerdo: era a semente de olho de boi! Nem sei como ela foi parar comigo, por que ela estava dentro do porta-luvas.
- Hoje entendo o que você me disse quando estivemos juntos da última vez. Sei que meu pai me ama e que minha irmã me tem amor, mas talvez o mais importante de tudo isto é ter a consciência que hoje em dia eu só consigo sentir isto por parte deles, por haver aprendido a amar a mim mesmo.
- Foi meu desamor, meu sentimento de inferioridade, que quase tirou a minha vida.
Edu já não conseguia mais impedir que as lágrimas gotejassem de seus olhos e nem que sua emoção lhe embargasse a voz, na realidade seu pranto já era incontido, mas reunindo todo fôlego que ainda lhe restava, foi que ele disse a entidade:
- Sei que da outra vez o senhor disse que não era necessário, mas eu só vim aqui esta noite para dizer uma coisa:
- Muito obrigado!!!!
  

O valor da ação



Reginaldo é conceituado advogado trabalhista que cambonava o caboclo Araribóia há quase um ano, em um terreiro de Umbanda do nosso Brasil. Era casado e pai de um adolescente com quem vinha se relacionando de maneira bem conflituosa. Na realidade o relacionamento dos dois estava quase insustentável.
A gira seguia naturalmente com a entidade prestando consultas a toda assistência que a ela acorria.
Reginaldo estava bastante ansioso para ter a oportunidade de conversar com a entidade, quando as consultas com a assistência terminassem.
Percebeu que não adiantaria ficar olhando para o relógio ou torcer que as consultas pudessem ser aceleradas. Já que estava em uma casa de Deus para a prática da caridade, então agiria neste sentido da melhor forma possível.
Procurou desligar-se de todos os problemas exteriores e firmar o pensamento nos trabalhos que aconteciam. Entoava os pontos cantados com muita firmeza e mantinha o coração em prece em todas as atividades. A cada oportunidade que tinha não se esquecia de pedir a Deus  que o abençoasse em seus pedidos, firmando especialmente no relacionamento com seu filho.
O tempo passou de forma que ele nem pôde perceber. O Sr. Araribóia já havia consultado toda a assistência e não haveria como consultar muitos médiuns, pois a gira já estava quase encerrando.
Um casal de médiuns da casa solicitou que ele, enquanto cambone da entidade, perguntasse ao Caboclo se poderia atendê-los. Ele, de bom grado, assim o fez, mesmo sentindo necessidade urgente de uma conversa fraterna com o Sr. Araribóia.
A consulta foi feita e a gira já estava para terminar quando a entidade disse a ele:
- Caboclo tinha até necessidade de trocar um dedinho de prosa com você, mas como não foi preciso, vamos ao encerramento!
- Antes, contudo Araribóia fala com você que muitas vezes não é falando e nem perguntando, mas sim dando que se recebe!!!
Sete dias depois Reginaldo participava de outra gira. Já quase em seu fim o caboclo Araribóia disse a ele:
- Sua vez de sentar no toco filho!
Reginaldo assim o fez e disse a entidade:
- Sr. Araribóia, teria como saber por que você me disse àquelas palavras ao término da última reunião?
- Filho na última gira foi quando percebi você mais concentrado nas atividades do terreiro. Como disse a você, naquela oportunidade, eu tinha até uma coisinha ou outra para lhe dizer, mas sua vibração e firmeza estavam tão formosas que não foi preciso.
- Entendi.
- Como o filho sabe, Caboclo não é de falar muito; então seria só um dedinho de prosa mesmo.
- Entendi.
- Afinal filho, quem deve falar e perguntar muito, se quiser crescer na profissão, são vocês advogados! Onde já se viu um advogado ganhar uma causa sem falar nem perguntar nada a quem de direito, não é meu filho?
- É verdade Sr. Araribóia!
- Caboclo está falando isto com certo conhecimento de causa por que nós, entidades, também fazemos uso constante de advogados!
- Advogados? Vocês?
- Sim! Porque o espanto?
- Mas qual a necessidade de advogados?
- Deus é o grande juiz! Só ele pode dar aquilo que vocês nos pedem! Somos apenas facilitadores!
- Então, quais são os advogados?
- Os divinos orixás que a tudo sustentam na criação divina.
- Como assim?
- Um filho chega até Caboclo com problemas espirituais provocados por fechamento de caminhos, devido a existência de magia negra. Ogum é quem abre os caminhos e, neste caso, seria o advogado deste Caboclo. Com a autorização de Deus Caboclo fornecerá subsídios para que a atuação de Ogum se faça na vida deste filho.
- Impressionante!
- Mas vamos deixar estes assuntos sobre direito e advocacia espiritual para outro momento, afinal você perguntou a este caboclo o que ele queria falar com você no fim da última gira, mas que não houve necessidade, não é ?
- Isto.
- Caboclo viu que você estava passando por momentos de dificuldade no relacionamento com seu filho, não é isto?
- É verdade.
- Mas àquele casal de médiuns da casa, seus irmãos de fé, necessitavam de um pouco mais de urgência no atendimento para o caso que apresentavam.
- É verdade, magia negra é mesmo o fim da picada, Sr. Araribóia.
- Caboclo iria pedir a você que cedesse a vez no atendimento para àquele casal, mas graças a Deus não foi necessário, pois você sentiu tal necessidade com a generosidade do seu coração.
- Muito obrigado, Sr. Caboclo, por estas palavras que até me emocionam, mas acho que a generosidade foi toda sua quando me disse estas palavras.
- Você observou filho Reginaldo, que mesmo sem se consultar para pedir auxílio no relacionamento com seu filho, como houve uma sensível melhora neste aspecto?
- Era o que eu mais queria Sr. Araribóia!
- E você nem precisou de consulta, apenas cantar os pontos com firmeza, auxiliar nos trabalhos que aconteciam, realizar preces e, por último, mas não menos importante, exercer a caridade e dar a sua vez para que pessoas mais necessitadas pudessem ser consultadas por Caboclo; e foi  nesta hora filho que Deus o abraçou e deu o que lhe era merecido, por que como dizem vocês encarnados: “ Uma ação vale mais do que mil palavras”!

UMA LIÇÃO DE VIDA


cachoeira arco-íris Vetor


Certa noite após fazer minhas orações, e enquanto me deitava para dormir, senti um amigo espiritual solicitando que fizesse preces de agradecimento a Deus firmando o pensamento em uma cachoeira.
Quando dei por mim já estava em frente a uma queda d’água ainda mais bela da que eu imaginara. Estava dentro do rio e em frente dela, que era muito linda e bastante caudalosa.
O tempo foi passando e eu percebi que não conseguia sair de onde estava. Olhei ao redor para verificar se via alguém, mas sem sucesso.
Procurei pensar como tudo começara e tive uma idéia: só havia parado ali porque firmara meu pensamento como pedira o amigo espiritual, assim se continuasse a firmar, talvez fosse possível sair daquela situação.
Fechei os olhos e firmei meu pensamento por tempo indefinido, mas quando descerrei os olhos minhas pernas ainda se encontravam imóveis.
Comecei a ficar preocupado não devido à imobilidade, pois confio nos amigos espirituais servos de Deus, mas por não estar entendendo àquela situação.
Procurei recordar as lições que os amigos espirituais sempre procuram me passar a respeito de tudo que se refere às cachoeiras e assim, lembrei que as águas deste sítio de forças da natureza têm propriedades altamente renovadoras, que renovam tudo aquilo que já não tem mais razão de ser.
Procurei refletir sobre esta minha recordação e entendi que, se ali estava, era por que precisava de renovação em um ou mais aspectos de minha vida. Sem conseguir buscar explicação racional, o que me angustiou muito, senti vontade irrefreável de por as duas mãos nas pedras sob a queda d’água e assim o fiz.
Senti meu corpo astral vibrar com uma energia muito forte, as batidas do meu coração aceleraram e lágrimas incessantes e inexplicáveis passaram a escorrer de meus olhos.
Passei a sentir o meu corpo a pulsar uma energia multicolorida como se eu fosse apenas luz. Intui que deveria permanecer de olhos fechados e em prece e não procurei questionar.
Então senti que meu corpo permanecera na cachoeira do jeito que estava, mas também senti que já não estava mais lá, estava muito, muito leve. Olhei para minha esquerda e vi um arco-íris como a indicar uma direção e procurei segui-la.
Fui parar de frente a outra cachoeira onde várias crianças brincavam silenciosamente. Foi interessante porque lá eu conseguia movimentar-me livremente.
Uma alegria enorme, incomensurável inundou todo o meu ser e, de tão feliz que estava, também me deu vontade de brincar igual uma criança, mas antes que assim eu fizesse uma delas chamou-me.
Aparentava ter uns três anos de idade. Tinha o cabelo todo encaracolado de um castanho-claro, a pele branca e as bochechas eram, por falta de um melhor vocabulário, muito proeminentes, fofas e rosadas.
Não sei como explicar, mas sentia como se estivesse diante de um saudoso amigo e devo confessar que, se no plano físico ele existisse, eu tudo faria para adotá-lo.
- Obrigado tio!!!
Foi o que ela disse a mim.
- Obrigado pelo que?
- Pelo afeto tio! Pelo carinho!
- Você pode escutar meus pensamentos?
- Só aquilo que for importante!
- Importante para que?
- Pra ajudar você titio!
-Você? Ajudar a mim? Como assim? Você não é uma criança?
- Tio, se hoje sou criança, então um dia eu serei adulto, não é?
- Isto!
- E se hoje você é adulto, um dia tornará a ser criança, não é?
- Isto! Suas observações são muito sábias, você nem parece uma criança!
- Mas você sim tio!
- Eu o que?
- Meu tio tá parecendo uma criança, e daquelas bem birrentas!
- Acho que começo a entender: você é uma criança espiritual!
- Puxa! Demorou, hein tio!?!?!?
Ri bastante daquela observação e senti uma alegria quase incontida. Nisto, algumas lágrimas que julguei inoportunas desprenderam-se dos meus olhos. Procurei disfarçá-las e perguntei:
- De que teimosia você está falando?
- Por quê? São tantas assim meu tio? Credo!!!!
Não tive como conter as gargalhadas outra vez! E observei que novas lágrimas deslizaram, mas só desta vez notei que um peso saía de dentro de mim enquanto escorriam. Tentei disfarçá-las novamente e a escutei dizer:
- Eu tô brincando com você meu tio! Eu to falando só da teimosia que meu tio tem de não querer deixar a vida correr.
- Como assim?
- Tio, o que passou é passado. O que passou só tem utilidade se servir para uma coisa: renovar seu presente de esperanças num futuro melhor!!! Se não for assim, meu tio, o passado só vai paralisar você!!! Como já tem feito!!!
- A vida meu tio é um presente! As experiências, difíceis ou não, são para fazer você mais forte moral, consciencial e emocionalmente. Deixe as águas da renovação banharem você meu tio, pois é sua melhor chance de desempacar e seguir a vida com mais liberdade. Liberte-se meu tio! Deixe o passado para trás!
- Da mesma forma que um dia uma criança vira adulto e este se torna uma criança, um dia seus pais renascerão e você desencarnará.
- Mas é que muitas vezes ainda dói!
- A dor provoca sofrimento, mas quando se busca a força em Papai-do-céu e a força interior que cada um possui, a dor passa e torna-se esperança, mas se isto não ocorre o meu tio entra num ciclo vicioso em que o sofrimento provoca a dor que vai causar mais sofrimento.
- Como assim?
- Meu tio o que acontece se você sofrer um corte profundo na pele?
- Eu vou sangrar!
- Vai ficar sangrando pra sempre!
- Não se eu buscar socorro!
- Meu tio busca o socorro e o que acontece depois?
- Um profissional vai suturar o corte.
- Com o tempo não vai parar de sangrar? Não vai parar de doer?
- Sim
 - Mas a cicatriz permanece, não é assim, meu tio?
- Isto. Exatamente!
- E se você ficar cutucando a ferida antes dela sarar?
- Ai ela não vai sarar nunca!
- Então tio! O corte provoca dor na pele e esta dor leva ao sofrimento, mas se você não ficar cutucando a pereba o sofrimento passa e a dor vai embora. Se você cutucar a ferida o sofrimento vai alimentar sua dor, que lhe causará mais sofrimento. Nada vai sarar, entende tio???
- Estou entendo sim, tudo está ficando mais claro!
- A vida do meu tio tá paralisada no passado, é preciso renovação tio! Renovação verdadeira, sem aprisionar-se ao passado. Vem tio, deixe a gente ajudar você!!! Tudo na sua vida será renovado, menos a falta de cabelos na sua careca, isto aí só na próxima encarnação!!
Não pude mais conter meu riso ao escutar a última observação! Gargalhava sem parar e nem me faltava o fôlego! Lágrimas abundantes deslizavam pelo meu rosto enquanto gargalhava, mas desta vez não tive a mínima vontade de contê-las. Enquanto tudo isto acontecia àquelas crianças, que já formavam um círculo ao meu redor, batiam palmas e cantavam louvores em uma língua desconhecida para mim.
A criança que conversara comigo acenou pedindo que eu fechasse os meus olhos e eu assim o fiz.
Os louvores e palmas continuaram. Por dentro eu explodia de felicidade e gratidão a Deus por toda àquela oportunidade. Os risos que vinham das lágrimas ( ou lágrimas que vinham dos risos ) continuaram insofreáveis, mas observei que àquele canto tinha o poder de provocar nova disposição em mim, novos pensamentos, sentimentos, possibilidades.
A criança com quem dialogara tocou em direção ao chacra cardíaco e olhou-me como quem dissesse:
- Pratique o que conversamos!
E eu, ainda gargalhando com lágrimas incontidas nos olhos, respondi-lhe com todo respeito que aprendi a lhe dedicar:
- Muito obrigado!
Ele gesticulou pedindo que eu tornasse a fechar os olhos.
Com olhos fechados senti novamente toda aquela vibração em meu corpo e voltei numa velocidade inimaginável para àquela cachoeira em que, anteriormente, não conseguia mover as pernas. Era como se minha consciência tivesse retomado meu corpo espiritual.
As lágrimas cessaram de jorrar, mas a alegria incontida ainda permanecia imutável dentro de mim.
Recebi mentalmente a orientação daquela criança espiritual que em outro plano se encontrava:
- Tio esta alegria é um presente que Papai-do-céu mandou que entregássemos a você. Foi nosso dever entregá-la e é seu dever conservá-la! Vá com Deus titio!!!
Quando abri os olhos pude observar que já havia sido transportado para o corpo físico! Olhei para o lado e vi minha esposa que dormia! A cama era a mesma, o colchão era o mesmo e até a coberta era a mesma, quanto a mim, que naquele momento não lembrava nada que vivenciara no plano astral, acordei “inexplicavelmente” com um enorme sentimento de gratidão a Deus,  sentia  e pensava como se fosse uma nova pessoa.
Somente hoje pude recordar de todo o ocorrido e, com um sorriso de alegria nos lábios e lágrimas de gratidão nos olhos, é que assim digo:
Muito obrigado meu Deus!!! Muito obrigado pela Cachoeira divina, pelo Arco-íris sagrado, pela falange das Crianças espirituais e por minha vida!!!
Muito obrigado pela Umbanda sagrada!

Saravá!!!!!!

SEMENTES DA UMBANDA



Em uma cidade interiorana localizada na região sudeste do Brasil e bastante freqüentada por turistas que praticam a pesca vivia, já há dois anos, um sujeito de 42 anos e cujo nome era Antônio.

Apesar do seu modo de vida pacato Antônio não era bem visto pela comunidade local. Nada era falado abertamente, mas Antônio sabia que isto acontecia pelo fato dele e da esposa professarem a fé umbandista.

Toda quarta-feira a noite, das 20:00 as 22:30 horas, o Caboclo Urubatão da Guia incorporava em seu médium e realizava os trabalhos pertinentes a cada reunião.

Apesar dos convites de Antônio e de sua esposa Neusa nenhum morador jamais participara das reuniões que aconteciam em cômodo amplo e localizado nos fundos da residência.

Antônio recebera uma promoção em seu trabalho e mudaria daquela cidade com sua companheira em quinze dias.

O tempo correu célere e no dia anterior a mudança Antônio, ao despertar e após a refeição matinal, preparou juntamente à esposa o cômodo para manifestação espiritual que ocorreria e da qual fora alertado durante o sono físico.

Após toda a ritualística eis que a entidade incorporou em Antônio dizendo a Neusa, sua cambone:

− Quando vocês se mudaram para cá nós dissemos que iríamos plantar sementes!

− É verdade Sr. Urubatão mas, com todo o respeito, acho que esta “terra” não deve ser muito fértil.

− Engano seu filha! Foram dois anos de arado, mas hoje é o dia da semeadura!

− Hoje? Como assim? Nós vamos embora amanhã!

− Vocês vão, mas as sementes, na força de deus, aqui permanecerão e germinarão.

− Não entendo Sr. Urubatão! Assim como não entendo porque hoje o senhor incorporou tão cedo no Antônio.

− O bom semeador é aquele que respeita o tempo da semente! O tempo filha é agora!

− O senhor poderia explicar?

− Filha prepare minhas folhas e meu terço! Temos que preparar tudo porque logo os convidados vão chegar!

− Convidados? Ninguém nunca veio aqui!

− Mas as portas sempre estiveram abertas, certo?

− Sim, certamente!

− Então hoje alguém virá!

− Quem senhor Urubatão?

− A família do curumim Manoela!

− A famíla da Manu? Como? Eles estão há mais de mês em São Paulo em busca de cuidados médicos para aquela menina que mal tem dois anos de idade.

− Os doutor de jaleco branco não acharam nada filha e nenhum médico jamais poderia achar por que a doença da criança nada mais é do que fruto de feitiçaria.

− Creio em deus pai!

− Eu também creio filha, vamos trabalhar?

E durante muito tempo ela cambonou a entidade na realização de todos os procedimentos necessários para a prática da caridade.

A família de Manoela era vista como a mais rica daquela localidade; eram pessoas simples e corretas, mas que devido à condição social ainda se deixavam iludir pelo poder do dinheiro. Chegavam de viagem, desesperançados e desesperados, pois sentiam o fôlego de vida de sua primogênita se esvair a cada dia.

A tarde estava prestes a iniciar quando a mãe de Manoela, vencendo todo o preconceito presente no local, adentrou o terreiro. Ela estava transtornada quando falou a entidade:

− Disse ao meu esposo que traria minha filha até aqui, mas ele deu de ombros e disse que aqui não poria os pés.Não sei bem que tipo de trabalho vocês fazem por aqui, mas a saúde de minha filha vem em primeiro lugar, por favor ajude-a por que eu já não agüento mais....

− Calma filha! Primeiro dê um abraço neste Caboclo e ponha o seu pranto pra fora. Entendo o seu sofrer, mas a paz deve reinar em seu coração para que o poder de Deus possa afugentar as nuvens de desespero e fazer brilhar o sol da esperança.

Abraçada a entidade ela disse:

− Estivemos em São Paulo, com os melhores médicos, e eles desenganaram nossa garotinha, não conseguiram descobrir o que ela tem! Temos a nossa fé e por meio dela também tentamos a cura de nossa filha, mas também sem sucesso! Os médicos disseram que ela não tem mais do que dois meses de vida.

Todos choravam copiosamente, incluindo a cambone da entidade.

O Caboclo Urubatão clamou por fé e oração a todos os presentes e disse a mãezinha da criança:

− Filha percebo que você está um pouquinho mais calma, mas antes que eu possa realizar qualquer procedimento eu devo lhe dizer que aqui é uma casa de oração que realiza ações em favor do próximo sem cobrar coisa alguma em troca. Somos uma casa de Umbanda, sou falangeiro de Deus, da Justiça, do amor e da verdade: sou o Caboclo Urubatão da Guia. Trabalhamos respeitando a lei do livre arbítrio e por isto devo esclarecer que só poderemos tratar de seu curumim se você estiver certa disto, entende?

− Entendo sim senhor! Este local vibra a paz e sinto que muito deste sentimento é irradiado por você. Que seja feita a vontade de Deus!!!

A entidade esboçou um leve sorriso de emoção nos lábios quando escutou esta última frase e disse a ela:

− Então filha, por caridade, entregue-me a criança!

Após a realização de todos os procedimentos necessários a entidade colocou a criança deitada no chão em local onde estavam forradas várias folhas de mamona.

Assim que fora disposta no local a criança adormeceu.

A genitora contou que a filha mal conseguia se alimentar, pois regurgitava a maior parte dos alimentos que ingeria independente de sua consistência.

Contou ainda muitos outros fatos pertinentes ao caso e receberam a orientação necessária da entidade amiga.

O Caboclo Urubatão evocou a Deus e realizou a purificação de energias perniciosas que provocavam a enfermidade na criança, além de outros procedimentos necessários para sua convalescença.

Por volta das 15:00horas ela despertou pedindo biscoitos a mãe. Manoela parecia outra criança, pois sua pele voltara à coloração normal e ela possuía outro ânimo.

A entidade disse a mãe:

− Seu curumim está curado pelo poder de Deus! Agora é só você iniciar o tratamento com as ervas que passamos para ela.

− O que ela tinha?

− Não se preocupe! Preocupe-se apenas em ter uma vida mais harmoniosa com todos ao seu redor! Classe social, raça e dinheiro não tornam ninguém melhor que o outro, pois tudo que é matéria se iguala na hora da Grande travessia!

− Grande travessia?

− Sim! Aquilo que vocês chamam de morte!

− Entendo! Não tenho nem como lhe agradecer!

− E nem precisa! Só agradeça a Deus! Somente Ele merece toda a honra!

A família foi embora, mas não a entidade. Neusa estava preocupada, pois Antônio se alimentara pela última vez as 09:00 horas da manhã. Ela externou sua preocupação a entidade que disse-lhe:

− Não se preocupe filha Neusa, pois o cavalinho está bem! Para a segurança dele nós só subiremos após pitar o último charuto!

− Mas nós vamos nos mudar amanhã! O senhor trabalhou o dia inteiro! Os charutos acabaram!

− Charuto de Caboclo está na cachoeira filha! Está na cachoeira!

Somente por volta das 17:00 horas a entidade disse a sua cambone;

− Vamos filha! Este caboclo precisa buscar o pito dele!

− Mas Senhor Urubatão a cachoeira fica a dez minutos de distância daqui e isto andando a pé!

− Qual a dificuldade filha?

− A cidade inteira vai ver o senhor, o senhor vai chamar a atenção!

− Está tudo nos planos de Deus filha, vamos?

− Sim senhor!

Ainda no início da caminhada alguns vizinhos aproximaram-se de Neusa e perguntaram:

− Aonde vocês vão?

Procurando calar o espanto com o inusitado da pergunta, ela respondeu:

− Até a cachoeira!

− Mas, por quê?

− O Senhor Urubatão precisa do charuto dele e disse que estará lá.

− Na cachoeira!?!

− Isto!

A incredulidade os fez perguntar:

− Podemos ir com vocês?

Neusa olhou para a entidade que consentiu.

Outros moradores juntaram-se àqueles e quando todos chegaram ao local contava-se por volta de quarenta pessoas. A cachoeira encontrava-se vazia.

A entidade chamou Neusa e disse-lhe:

− Filha, este Caboclo vai trabalhar nas matas e perto das 18:00 horas volta para pegar o pito dele.

A entidade embrenhou-se na mata e os moradores incrédulos aguardavam seu retorno.

Exatamente por volta das 18:00 horas o caboclo Urubatão deu um forte brado que ecoou nas matas e saiu do local, mas ninguém ali tinha charuto algum.

A entidade deu mais alguns passos para fora da mata e eis que no local surgiram três turistas que iriam praticar a pesca noturna. Aproximaram-se curiosos com a aglomeração de pessoas presentes. Um deles era umbandista e achegou-se da entidade. Esta disse-lhe;

− Este Caboclo estava aguardando você filho!

O turista, sem conseguir explicar o porquê, mas emocionado, tirou um dos charutos do bolso da jaqueta e ofertou a entidade sem que esta nada precisasse lhe dizer.

A entidade o reverenciou e foi pitar o seu último charuto.

Havia muitos tipos de pessoas que estavam ali naquele momento: os céticos disseram que o ocorrido foi fruto da coincidência; os preconceituosos que era obra do demônio, mas muitos e muitos mansos de coração sentiram naquele fim de tarde a brotarem em seu intimo a inigualável sensação de paz de uma semente que Deus, por meio do caboclo Urubatão da Guia, plantara em seus corações: a simpatia pela simples, mágica e linda religião de Umbanda sagrada.

Hoje, quarenta e cinco anos após o ocorrido, Antônio e Neusa já se encontram desencarnados.

Manoela é sacerdotisa do único terreiro de Umbanda no local. A corrente mediúnica é composta por dezesseis médiuns, mas todos são filhos de fé, incluindo seus dois filhos e esposo. A caridade é o fruto mais doce e suculento que nasceu da semente plantada pelo caboclo Urubatão da Guia ao respeitar o tempo certo da semeadura: o tempo de Deus.

Entendendo o carma: palavras de preto-velho



Dona Isabel caminhava em direção a Pai Antônio. Chegara a hora de seu atendimento e ela estava para comunicar-lhe sua decisão: pediria afastamento do terreiro.
− Oi zifia! Como vai suncê? Ah quanto tempo hein?!?
− Boa noite Pai Antônio! O senhor já sabe o que eu vim fazer aqui hoje, não sabe?
− Filha se este preto-velho tivesse este poder ele não seria Pai Antônio: seria o próprio Deus, pois só Ele sabe de todas as coisas.
− Como assim vovô?
− Nós não somos advinhos zifia! Se suncê veio aqui é por que tem algo a dizer e este nêgo velho aqui se encontra, de coração aberto, só para te escutar!
− Então acho que tenho que dizer de uma vez, não é vovô?
− Da forma que suncê achar melhor, minha filha!
− É que eu vou pedir desligamento do terreiro! O que o senhor acha disto?
− Filha toda decisão sinaliza um caminho que envolve pensamentos e sentimentos. Onde este caminho vai dar, abaixo de Deus, só teu pensar e sentir é que poderão dizer.
− Como assim Pai Antônio?
− Bom senso minha filha! Toda decisão, de todo ser humano, deve ser pautada pelo bom senso!
− O senhor está dizendo que esta minha decisão não está baseada no bom senso?
− Longe de mim zifia, pois este preto-velho não faz julgamento de valor! Só estou tentando explicar para a filha que a ilusão obscurece o bom senso.
− Ilusão? Como assim?
− Só um instantinho minha filha!
A entidade solicitou que seu cambone lhe trouxesse água gelada. Somente quando ele retornou foi que Pai Antônio disse a Isabel:
− Filha, por caridade, estique sua mão direita e diga se este líquido está quente ou frio.
A entidade derramou um pouco de água mineral, que estava em temperatura ambiente, na mão dela que respondeu-lhe:
− Nem quente, nem fria: está em temperatura ambiente!
− Continue com sua mão esticada.
Pai Antônio derramou a água gelada, que seu cambone trouxera, na destra de sua consulente que falou-lhe:
− Este líquido está gelado!
− Permaneça com sua mão esticada!
O preto-velho tornou a derramar a água mineral em temperatura ambiente na mão de Isabel que disse:
− Esta água está quente!
− Suncê viu de onde nêgo tirou esta água que suncê falou que estava quente?
− Vi sim senhor. O senhor a tirou da garrafa de água mineral!
− E como a mesma água que suncê respondeu que estava em temperatura ambiente, de repente ficou quente?
− É que a água que o senhor jogou na minha mão antes dela estava muito gelada.
− Muito bem minha filha! Suncê é muito sabida! Percebe o que a ilusão dos sentidos pode fazer com seu julgamento? Seu pensamento? Seu sentimento?
− Não totalmente.
− Não se preocupe minha filha! Continue a prosear com este velho que Deus, em sua infinita misericórdia, há de fazê-la compreender certas coisas!
− Vovô eu não consigo mais ver sentido em ficar aqui: o senhor sabe que minha filha, que assim como eu era médium desta casa, acabou de desencarnar fulminantemente por conta de uma enfermidade que ninguém pôde diagnosticar a tempo de salvá-la.
− Salvá-la de que zifia?
− Da morte!
− Mas não existe morte zifia: só existe vida, ainda que em outro plano da existência!
− Nenhuma entidade contou nada para mim ou para ela que só foi saber da doença quando passou mal e os médicos a diagnosticaram como enferma após realização de vários exames.
− Suncê se sentiu traída por nós, minha filha?
− Vocês sabiam da doença?
− Sim minha filha!
− Então, eu me senti traída, porque vocês não me alertaram!
− Filha, e de que adiantaria nosso alerta se a doença começara a se desenvolver em sua filha há dez meses? Se a situação da saúde de sua filha era irreversível há cinco meses e se vocês entraram para corrente mediúnica do terreiro há três meses?
− Mas vocês poderiam ter nos alertado, nos preparado!
− Preparar? Desculpe a franqueza zifia, mas a preparação, a ser realizada com sabedoria e humildade, para a verdade imutável que é o desencarne deve acontecer todo dia e a todo o momento, pois só Deus sabe a hora de cada um.
− Eu vou sair por que acho que vocês podiam ter nos preparado!
− Filha há muito tempo, quando suncê tinha dezesseis anos, seu pai faleceu da mesma moléstia que sua filha apresentou!
− É verdade.
− Seu pai lutou contra a moléstia por quase treze meses!
− Isto também é verdade!
− E foi justamente durante estes treze meses que suncê, somatizando todo o sofrimento pela condição de saúde de seu paizinho, desenvolveu uma úlcera gástrica que tanto lhe incomoda até os dias de hoje!
− É verdade!
− Agora minha filha, abrindo seu coração com honestidade, responda:
− Em que lhe ajudou saber sobre a doença do seu pai à época em que ele estava doente?
− Acho que começo a entender o senhor!
− Zifia Isabel, este nêgo véio fala a suncê que nós, que suncês chamam de entidades, não somos advinhos! Somos falangeiros que militam pela Lei Maior e pela Justiça Divina!
− Eu entendo.
− Para Deus o bem maior está acima das individualidades dos seus humanos filhos e foi por isso que ao mundo Ele enviou Jesus.
Isabel chorou sentidamente ao lembrar-se do sofrimento a que Jesus fora submetido quando encarnado e reconheceu que o sofrimento de sua filha nada foi em comparação ao dele.
Pai Antônio esperou o estado emocional de Isabel tornar a normalidade e disse-lhe:
− Nêgo-velho gostou da sinceridade do seu coração, mas aqui no dia de hoje nós não estamos trabalhando o sofrimento de sua filha; até mesmo porque ela não sofre mais onde se encontra, já que está disposta em repouso e recebendo tratamento adequado para que venha a despertar em momento oportuno!
− Verdade?
− Sim zifia! No dia de hoje trabalhamos o seu sofrimento!
− É vovô! Cada um com seu karma!
− Filha karma não é sofrimento: é libertação!
− Como assim?
− Karma, zifia Isabel, é ter humildade de clamar sabedoria a Deus diante dos desafios que são apresentados na vida de cada um, pois uma vez aprendido o ensinamento, com fé e resignação, evolui-se em direção a Deus-Nosso-Pai!
− Como assim?
− A vida é um karma não pelos sofrimentos que surgem na jornada, mas pela possibilidade de libertação que proporciona se tivermos sabedoria para vencer os desafios no caminho.
− Creio que entendi! A morte de um ente querido é um desafio natural da existência humana. O karma não é sofrer com a perda, uma vez que o sofrimento é natural nesses casos, mas sim alcançar a liberdade incondicional ao vencermos tal desafio.
− Filha tempos atrás suncê contou que a entidade que lhe assiste nas incorporações, o Caboclo Araribóia, apareceu duas vezes em sonho para você e pedia-lhe que continuasse a andar numa estrada, não é verdade?
− Isto vovô! Ele aparecia e me mostrava uma estrada em que eu devia voltar a caminhar!
− Pois então zifia saiba que tal estrada não é necessariamente este terreiro, mas sim a Umbanda Sagrada!
− Verdade?
− Certamente zifia! Se suncê quiser sair do terreiro as portas vão estar abertas assim como se encontravam quando você por elas adentrou neste terreiro pela primeira vez. O importante na sua vida não é o terreiro zifia, seja ele qual for, o importante é a Umbanda!
− Isto é verdade mesmo Pai Antônio porque antes de entrar neste terreiro há três meses, eu fiquei cinco anos afastada da umbanda.
− Nêgo velho entende zifia! Foi quando seu esposo faleceu, não foi?
− Foi isto mesmo vovô!
− Após vinte e cinco anos de casados o seu esposo desencarnou pelo câncer e você, como forma de homenagear o amor que sempre houve entre vocês, decidiu prestar trabalho voluntário em alas hospitalares onde se encontram crianças que possuem câncer, não é verdade?
− Como o senhor sabe disto vovô? Eu nunca contei para ninguém!
− Foi o Caboclo Araribóia zifia!
− Ah é? E porque vovô?
− Por que para Deus o bem maior está acima da individualidade do ser humano.
− Como assim? O senhor poderia explicar?
− Filha o câncer em sua história familiar não é sofrimento apenas: é karma! Possibilidade de libertação em direção a Deus!
− Isto eu estou entendendo!
− Karma é cumprimento da Lei Maior e da Justiça Divina na vida de suas humanas criaturas! Quando estas se envolvem consistentemente em labores caritativos o Pai envia sua Misericórdia como um bálsamo na vida na vida destes Seus filhos.
− Entendo!
− O teu trabalho voluntário em favor das criancinhas fez com que você recebesse a oportunidade de ter a tua filha tratada e assistida pelos médicos do astral a fim de que viesse a ter um desencarne sereno e indolor!
− Meu Deus eu jamais poderá imaginar!
− Posso lhe dizer ainda mais zifia: sabendo que você somatiza com muita facilidade o sofrimento dos que lhe são muito próximos, foi que o Caboclo Araribóia providenciou formas para lhe resgatar de volta para a Umbanda, como um modo de evitar que isto ocorresse!
− Meu Pai Deus é muito bom!
− Até mesmo por que se isto ocorresse as crianças assistidas por você voluntariamente ficariam sem ter como receber o lenitivo que você mais consegue lhes proporcionar: o sorriso!
Dona Isabel chorava copiosamente a cada vez que dizia:
− Deus é bom! Obrigada meu Deus! Obrigada!
Pai Antônio aguardou sua consulente serenar as emoções e, para encerrar aquele atendimento, disse-lhe:
− Foi o que este preto-velho lhe disse zifia: Para Deus o bem maior está acima das individualidades dos seus humanos filhos, mas a misericórdia Dele é, de fato, infinita!Suncê não está sozinha minha filha, nunca se esqueça disto! Vá com a força e a luz de Deus-Nosso-Pai!